DISCURSÍSTICA
Hildo Honório do Couto
Universidade de Brasília
Aqui está uma sugestão de troca do nome ‘Análise do
Discurso’ por ‘Discursística. Trata-se de um neologismo na língua portuguesa,
mas em ciência sempre precisamos criar neologismos. Eu fiz uma pequena sondagem
no Google e não encontrei nenhuma ocorrência da palavra ‘discursística’. Mas,
pelas regras sistêmicas1 da morfologia portuguesa ela é
perfeitamente possível, logo, gramatical, no sentido da Gramática Gerativa, ou seja, é uma palavra inativada, prevista pelas regras de formação de palavras do português. Quanto
a mim, a primeira vez que a mencionei, embora de passagem, foi em Couto (2019,
p. 41). Aqui ela será caraterizada de modo mais pormenorizado. A expressão
‘Análise do Discurso’ designa uma área tão vasta e tão prolífica nos estudos da
linguagem que bem merece um nome mais curto que, adicionalmente, pode ser
comparado a ‘Linguística’. Muito provavelmente os especialistas da área não se
mostrarão receptivos a essa sugestão de mudança de nome. No entanto, a meu ver
a denominação univocabular ‘Discursística’ tem algumas vantagens frente à quadrivocabular
‘Análise do Discurso’, que consta das palavras ‘análise”, “de”, “o” e
“discurso”, apenas com a preposição e o artigo fundidos.
Há vários motivos que justificariam essa troca de
nome. Em primeiro lugar, e como já observado, o objeto de estudo do que se tem
chamado ‘Análise do Discurso’ é um dos mais investigados no Brasil e talvez na
América Latina, bem como nos países latinos em geral. Na China já existem
inúmeros trabalhos sob o título de ‘Análise do Discurso Ecológica’, inclusive
uma variante chamada ‘Análise do Discurso Harmoniosa’, esta última iniciada no
Centro de Ecolinguística da Universidade de Agricultura do Sul da China, em
Guangzhou (Cantão)2. Como se vê, há ramificações nas teorias de
Análise do Discurso. Por isso, parece apropriado usar-se um nome mais curto,
como ‘Discursística’.
O termo univocabular ‘Discursística’ estaria em
paralelo com muitas outras disciplinas científicas cujos nomes terminam pelo
mesmo morfema ‘-ística’: Linguística, Estilística, Dentística, Estatística,
Patrística etc. Nas universidades alemãs há departamentos dedicados ao estudo
de línguas, literaturas e culturas, como Romanística (línguas, literaturas e
culturas latinas), Germanística (línguas, literaturas e culturas germânicas),
Escandinavística (línguas, literaturas e culturas escandinavas), Eslavística
(línguas, literaturas e culturas eslavas) etc. Além disso, há disciplinas com
nomes terminados de modo bastante parecido, como Onomástica e outros.
Adotando-se o termo ‘Discursística’, ficaria mais
fácil criarem-se compostos como: a) Discursística Pêcheutiana; b) Discursística
Crítica (em vez de ADC); c) Discursística Dialógica; d) Discursística Positiva
(J. Martin); e) Discursística Ecossistêmica/Discursística Ecológica etc.
O nome ‘Discursística” deixaria bem clara sua relação
com Linguística. Assim, Discursística trataria das questões de
textos-discursos, ao passo que a Linguística se dedicaria aos demais fenômenos
da linguagem, mesmo que mediante subdisciplinas como Sociolinguística,
Psicolinguística, Semântica, Sintaxe, Morfologia, Fonologia etc.
Como estamos falando em discurso, seria interessante
lembrar que a expressão ‘texto-discurso’ é preferível a simplesmente ‘discurso’
pelo fato de todo discurso ter que estar materializado em algum texto. Não há
discurso sem um texto que o suporte. Assim, parece óbvio que é melhor falar-se
em ‘texto-discurso’ em vez da palavra simples ‘discurso’ (aqui, sim, é
recomendável o uso de composto). Mesmo quando o ‘discurso’ esteja materializado
em uma manifestação não verbal, mas pictórica, em vídeo ou outras formas, tem
que haver algum suporte material para ele. De qualquer modo, o que interessa diretamente
à Discursística é, naturalmente, o ‘discurso’, embora sua materialização não
possa ser deixada inteiramente de lado, em consonância com a nova visão do
mundo trazida pela Teoria da Relatividade, a Mecânica Quântica, a Teoria dos
Sistemas, a Ecologia etc., que procuram integrar em vez de segmentar e separar
como se faz na Filosofia de Descartes. Procuram também ver o mundo como uma
imensa rede de interações, não como um conjunto de coisas que se relacionam
entre si em um espaço fechado, como na Física Clássica, de Newton.
É claro que na própria Linguística em geral há
disciplinas com nomes hifenizados como ‘Sócio-linguística’,
‘Psico-linguística’, ‘Eco-linguística’, ‘Paleo-linguística’ etc. No entanto,
nos dias de hoje normalmente essas palavras se escrevem sem hífen, com o que
não seriam vistas como palavras compostas no sentido tradicional.
Às vezes é inevitável usar-se um termo composto, como
no caso de “Linguística Ecossistêmica” e do já mencionado texto-discurso. No
entanto, no que concerne às Análises do Discurso é possível e até aconselhável
o uso de um termo único. Com efeito, o objetivo de seus praticantes não é pura
e simplesmente analisar discursos. Eles vão muito além disso,
frequentemente interpretando o conteúdo dos discursos, entre outras
coisas. Talvez eles façam mais ‘interpretação’ do que ‘análise’. A análise
seria apenas uma primeira etapa, que deve ser complementada com alguma
interpretação. Assim sendo, por que “análise do discurso”?
Talvez ficasse até mais fácil a área se firmar como
uma disciplina acadêmica, embora o que se chama de “Análise do Discurso” já
seja amplamente dominante na academia. Uma disciplina com nome simples parece
mais “científica” do que uma outra cujo nome seja um sintagma. Praticamente
todas as disciplinas tradicionais, “clássicas” têm nome simples. No momento,
não me ocorre nenhuma com denominação plurivocabular. Portanto, se os
estudiosos da área adotassem o nome Discursística, pode ser que os linguistas
que se dedicam a teorias formais, como a Gramática Gerativa, parassem de olhar de soslaio para sua área. Eu cheguei a ouvir de um linguista
estruturalista da velha guarda que ‘Análise do Discurso’ não é Linguística, mas
Literatura. Adotando o novo nome, seus praticantes poderiam dizer, “sim, nossa
disciplina não é Linguística; ela é Discursística, pois se dedica a analisar e
interpretar discursos, ou textos-discursos”.
Notas
1 Para o conceito de regras sistêmicas, como
integrantes das regras interacionais, ver Couto (2015, p. 64).
2 ECO-REBEL v. 6, n. 2, 2020 conterá um artigo
com uma visão de conjunto da Ecolinguística na China.
Referências
Couto, Elza K. N. N. & Couto, Hildo Honório do.
2019. Uma leitura ecolinguística de “Se eu quiser falar com Deus” de Gilberto
Gil. Linguística ecossistêmica. Ecolinguística: revista
brasileira de ecologia e linguagem (ECO-REBEL) v. 5, n. 2, p. 40-53. Disponível em:
Couto, Hildo Honório do. 2015. Linguística ecossistêmica. Ecolinguística: revista brasileira de
ecologia e linguagem (ECO-REBEL) v. 1, n. 1, p. 47-81. Disponível em:
https://periodicos.unb.br/index.php/erbel/article/view/9967/8800
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