Hildo Honório do Couto
O QUE É PORTUGUÊS BRASILEIRO
Editora Brasiliense
1986
1a edição
Copyright (c) Hildo Honório do Couto
Capa
e ilustrações:
Ettore Bottini
Revisão:
Rosana
N. Morales
Elizabeth
Tasiro
Editora
Brasiliente S. A.
R.
General Jardim, 160
01223
São Paulo - SP
Fone:
(011) 231-1422
PARTINDO
DE UM FATO ÓBVIO
“Português
é difícil demais”, “O português é a língua mais difícil do mundo”, “Português é
a matéria mais chata”, etc. Frases como estas são ouvidas a todo instante por
professores de português. São ditas não só por estudantes, mas até mesmo .pelo
leigo, ao verificar que está diante de um professor. Será verdade o que elas
expressam ?
Com
efeito, assuntos como “colocação pronominal”” (“me dá” vs. “dê-me”), “análise
sintática”, “acentuação gráfica”, “uso do hífen” e “regência verbal” constituem
verdadeiro tormento para os
estudantes
e até mesmo para os experimentados. Além disso, há um consenso generalizado
entre os estudantes e os profissionais de áreas técnicas de que não conseguem
“escrever bem”, são incapazes de fazer uma “redação boa”, etc. A reintrodução
desta no vestibular teve como consequência a eliminação de muitos candidatos a
um cursona universidade.
Em
síntese, nós, brasileiros, achamos que “a gente fala tudo errado mesmo!”, “se a
gente quiser falar de acordo com a gramática fica muito difícill”, etc. Por aí
já se vê que “a gramática” é uma coisa estranha, hostil, que se impõe de fora
para dentro ou de cima para baixo. Não é a sistematização de como o brasileiro
usa a língua portuguesa.
Tudo
isso prova que há um fosso entre aquilo que querem impor de cima para baixo
como “português correto” e o que o povo efetivamente usa, tanto oral quanto
graficamente, tanto no caso das pessoas cultas quanto no das analfabetas da
cidade e no dos roceiros (ou camponeses, se preferirem). O próprio professor de
português se sente perdido, pois se vê entre fogos cruzados. De um lado tem na
cabeça tudo aquilo que estudou na universidade e que se espera que transmita
aos seus alunos. De outro, percebe que a realidade linguística concreta é bem
diferente.
Eu
já tive o desconforto de ouvir de uma aluna do ensino médio de São Paulo que
gostava muito de escrever contos, poesias e até ensaios simples sobre assuntos
que interessavam a ela. No entanto, acrescentou: “não gosto de português, é
muito complicado”. Como professor de português me senti bastante frustrado e,
na época, não sabia o que se passava. Só hoje percebo que “português” para ela
não era a língua em que ela escrevia, por sinal até muito bem. Isso é mais uma
prova do divórcio existente entre o que querem nos impingir
como
“português correto” e o português brasileiro real, mesmo culto.
Será
que aprender “português correto” é tão difícil quanto aprender uma língua
estrangeira como, por exemplo, o espanhol? Com efeito, construções como “Se vós
não no-lo trouxerdes” soam tão estranhas ao ouvido do menino da região
urucuiana de Minas Gerais, por exemplo, como “Yo no lo quiero”.
Na
realidade, o que está havendo é uma série de distorções devidas a uma
mentalidade elitista, centralizadora, típica de uma sociedade burguesa
capitalista, especialmente subdesenvolvida, em que uma pequena minoria a serviço
das classes dominantes se arvora em juiz do “português correto”. Em países como
Alemanha, Inglaterra e França o problema não parece ser tão grave como no
Brasil. Em suma, os formuladores da política do ensino no Brasil não percebem o
óbvio, eles vêem a realidade ideologicamente distorcida. O fato óbvio é o
seguinte: a língua de uma comunidade é a língua usada por esta comunidade.
Sabemos
que uma língua só existe se há uma comunidade que a use e que um agrupamento de
pessoas só constituirá uma comunidade se tiver uma linguagem comum que
possibilite a orientação do comportamento em grupo. Do contrário não é possível
o intercâmbio entre os membros da comunidade, nem a nível infra-estrutural nem
a nível superestrutural, pois os indivíduos não saberiam o que não prejudica (e
por que) e o que prejudica (e por que) o outro. Haveria atritos constantes.
E
assim chegamos à conclusão de que a linguagem de uma comunidade não é só a
verbal (a língua), mas é composta de uma série de outros meios de comunicação
como, por exemplo, a mímica, a etiqueta, as relações sociais em geral, as
instituições, etc., etc. De qualquer maneira, a língua é o tipo de linguagem
mais importante. Portanto, vou me restringir a ela.
Aplicado
ao caso brasileiro, o fato óbvio enunciado acima continua óbvio: a língua do
povo brasileiro é a língua usada pelo povo brasileiro. Apesar de óbvio, esse
fato é sistematicamente esquecido (ou não é levado em conta) pelos planejadores
e executores do ensino de português no Brasil. E isso se deve, como já disse,
ao fato de encararem a realidade a partir de uma ótica ideologicamente
distorcida.
Qualquer
pessoa com razoável nível de informação sabe que a língua efetivamente usada
pelos brasileiros em sua totalidade não é um bloco homogêneo e compacto. Pelo
contrário, todos sabemos que ela apresenta diversas diferenciações (ou
variações, como dizem os sociolinguistas), as quais resultam do contato da
língua com o ambiente. Se este for complexo, a língua também o será. Assim, do
contato dela com o ambiente físico (o espaço geográfico em que é falada),
resultam as diferenciações regionais, como é o caso do português lusitano, do
brasileiro, do angolano, do moçambicano, do guineense, etc. No interior de cada
país há também diferenciações regionais. No Brasil, temos o falar mineiro, o
carioca, o paulista, o gaúcho, etc.
Do
contato da língua com o ambiente social, resultam dois tipos de diferenciações.
Sabemos
que
o português dos trovadores medievais, o da época de Camões e o atual são
consideravelmente diferentes entre si, apesar de se tratar da mesma língua.
Trata-se das diferenciações históricas ou temporais. A linguagem de uma mesma
cidade apresenta, simultaneamente, pelo menos três tipos de diferenciações. Com
efeito, numa cidade como São Paulo, por exemplo, temos que distinguir a
linguagem do operário analfabeto, a do favelado, por um lado, e a linguagem
oficial, ensinada nas escolas, a que se usa nos livros, na imprensa, por outro
lado. No meio das duas está a linguagem que poderíamos chamar de média. São as
diferenciações de classe (lembremo-nos de que nossa sociedade é uma sociedade
de classes). A linguagem rural pode ser classificada com a dos favelados e dos
analfabetos urbanos em geral. Para facilidade vou me referir a ela através das
letras A (culta), B (média) e C (dos favelados e do caboclo). Com o que se
verifica que as diferenciações espaciais se entrecruzam com as sociais ou de
classe.
Cada
uma dessas diferenciações apresenta especificidades que a individualizam frente
às demais. Assim, todos sabemos que a linguagem de um operário é diferente da
de um alguém que trabalhe em emprego burocrático e da de um texto filosófico,
por exemplo. Apesar disso ninguém diria que o operário ou o caboclo não fala
português.
Quando
o estudante de letras inicia seu curso, em geral, entra em contato com a
literatura portuguesa medieval, ou seja, a lírica trovadoresca das cantigas de
amigo, de amor, de escárnio, de maldizer, etc. Camões também faz parte
integrante de seu curso. Pois bem, não obstante serem todos esses tipos de
linguagem diferentes, todos nós os
aceitamos
como modalidades da língua portuguesa.
O
gaúcho tem consciência nítida de que fala diferente do baiano, do mineiro, do
cearense e vice-versa. Todos eles em conjunto, ou seja, os brasileiros em sua
totalidade sabem que falam bem diferente dos portugueses e dos angolanos, etc.,
embora saibam que se trata de língua portuguesa em todos esses casos.
Assim
como não há comunidade sem linguagem nem linguagem sem comunidade, cada
segmento, aspecto ou subcomunidade de uma comunidade tem sua peculiaridade
linguística, sua sub-linguagem. Não reconhecer isso é falsear a realidade, o
que pode acarretar danos incalculáveis. Não se pode ignorar as diferenciações
espaciais, temporais e sociais que toda língua de sociedades complexas
apresenta.
Como
se vê, mesmo para o leigo o português brasileiro em sua totalidade é uma
realidade muito complexa; ele está muito longe de ser aquela língua compacta
que os juízes lingúísticos querem nos impingir como sendo “o português correto”.
Pelo contrário, como toda realidade complexa, o português brasileiro (para não
dizer o português em geral) é uma totalidade composta de diversas
subtotalidades, cada uma delas com suas especificidades e partes componentes.
Como
ficamos, então, diante do fato óbvio enunciado acima? Se a língua dos
brasileiros é a língua usada pelos brasileiros em sua totalidade, o que é,
afinal de contas, o português brasileiro? Obviamente, a língua dos brasileiros
em sua totalidade é o complexo que. abrange todas essas modalidades, como
veremos adiante.
Na
verdade, o problema todo surgiu do fato de as classes dominantes, sempre ativas
a fim de manter o controle sobre toda a população, tentarem impor apenas uma
daquelas modalidades como se fosse “o português brasileiro”. Por outras
palavras, sempre tentaram distorcer ideologicamente a realidade (que em si
mesma é complexa) impondo um aspecto, uma parte apenas do português brasileiro
como se fosse o todo, a norma geral.
Num
passado não muito distante, tentaram impor a linguagem do Rio de Janeiro como a
norma geral do Brasil todo. Nas gramáticas e nos dicionários se tenta impor
como norma geral de nossa época a linguagem dos clássicos, isto é, de épocas
passadas. No fundo, no fundo, tudo isso desemboca na constante tentativa de se
impor a linguagem das elites (ou, pelo menos, a linguagem que elas acham que
deve ser imposta) ao povo brasileiro como um todo.
Diante
de tudo o que foi dito acima, constatamos que ao determinar o que deve ser “o
português correto”, a norma lingúística do Brasil, as classes dominantes
(através de seus prepostos, os gramáticos e ogos) perpetraram três tipos de
distorções da realidade, todas elas geradoras de conflitos insolúveis:
1 —
distorção espacial
2 —
distorção tempo
3 —
distorção social
A distorção
espacial consiste na imposição da linguagem de uma região (ou de um país) a
todo
o
país (ou a outro país).
A distorção
temporal, por seu turno, consiste em querer impor a linguagem de épocas
passadas como sendo a norma geral atual.
A distorção
social, finalmente, se patenteia na imposição da linguagem de uma classe
(aquela que a elite dominante considera a melhor) a todas as outras. A
consequência é que todas estas falariam “errado”, sua linguagem seria um
“desvio” da “boa linguagem”. Poderíamos falar até em distorção grupal, que seria
a imposição da linguagem de um grupo (o dos gramáticos) a toda a comunidade.
Vê-se,
portanto, que se trata sempre de querer impingir uma parte como se fosse o
todo. Trata-se sempre da tentativa de impor a linguagem de uma parte da comu
ngua portuguesa como
se
fosse a língua dos brasileiros em sua totalidade.
O
leitor deve ter notado que falei em “tentativa” de impor e não em “imposição”.
De fato, os planejadores e executores da política educacional nunca tiveram
êxito. Pelo contrário, o que vemos todo dia é um sentimento de frustração, por
parte deles, e de revolta, por parte dos estudantes, diante do conflito entre o
que querem impor como “a boa linguagem” e a linguagem real. Aqueles se sentem
frustrados por verem que suas tentativas de impor, de “ensinar a boa linguagem”
são infrutíferas. Estes se revoltam não corres- pondendo ao “ensino” daqueles,
o que já transparece nas frases que citei logo no início deste capítulo. As
consegiiências são as mais danosas possíveis, como veremos mais adiante. E tudo
isso se deve ao fato de ignorarem o óbvio.
De
um modo geral, podemos dizer que o problema todo se resume numa questão: o que
é a norma geral do português brasileiro? Ou não há norma geral? Isso estaria em
contradição com a idéia de “português brasileiro” como uma totalidade.
O
que se quer é que se respeite o óbvio, que se respeite o fato de que a língua
dos brasileiros
como
um todo é a língua usada pelos brasileiros como um todo, Por mais complexa e
cheia de
diferenciações,
de subpartes que ela seja, sempre se poderá falar em português brasileiro como
uma totalidade. Esse português brasileiro não se identifica com nenhuma das
modalidades, subtotalidades ou partes expostas acima. Por conseguinte,
examinarei detalhadamente cada uma das distorções oriundas dos deslocamentos de
ótica praticados pela ideologia dominante (e a ideologia dominante sempre foi a
das classes dominantes). Em seguida examinarei a questão da norma e,
finalmente, mostrarei algumas consequências dessa deformação ideológica para o
ensino de português no Brasil, sobretudo o da redação.
Como
você poderá verificar, caro leitor, minha intenção ao escrever este livro não
foi acumular
dados
históricos, bibliografias, etc. Não passou pela minha cabeça fazer uma obra de
erudição.
Isso
pode ser encontrado na já vasta literatura sobre o assunto (veja as “Indicações
para Leitura”'!).
Meu
objetivo é bem mais modesto. O que pretendo fazer é sugerir uma ótica mais
adequada
para
encararmos o fenômeno linguagem, sobretudo a língua portuguesa do Brasil. Por
ótica mais adequada entendo uma perspectiva sem distorções ideológicas
(temporal, espacial e social). Uma boa metodologia é aquela que não manipula os
fatos para fazer com que se encaixem em moldes pré-fabricados. Do ponto de
vista científico, às vezes é mais importante estudar um domínio restrito da
realidade com um bom aparato teórico do que estudar vastos domínios da mesma
realidade com uma teoria e metodologia capengas ou distorcidas.
A
miopia científica e também o comprometimento com os eventuais detentores do
poder por parte dos planejadores e executores da política de ensino do idioma
não lhes permitem perceber que uma mudança radical de atitude se faz
necessária. Enquanto persistirem em não perceber isso o que veremos será sempre
palavrório oco, balelas, em congressos e encontros nacionais e internacionais
que discutem o sexo dos anjos, mas que nada mudam na realidade concreta, pelo
simples fato de a ignorarem. Com efeito, distorcer uma realidade é o mesmo que
não reconhecê-la.
É
preciso descobrir a ferida que os donos do poder teimam em manter coberta. Sem
sabermos
que
ela existe não há a menor possibilidade de cura.
DISTORÇÃO
TEMPORAL
Toda
língua apresenta fases históricas bem definidas, cada uma delas adequada ao
modo de produção de que faz parte. Ou seja, cada fase histórica da língua é ao
mesmo tempo instrumento e produto do trabalho lingúístico, da intercomunicação
humana. Instrumento porque é através dela que se processa a cooperação, a
interação no trabalho e no lazer. Produto porque a língua usada por uma geração
lhe foi legada pelas gerações que a precederam.
“Sabemos
que a língua portuguesa apresenta três fases históricas: o português dos
trovadores
medievais,
o da época dos grandes descobrimentos (época de Camões) e o atual. Ora, não é
necessário muito esforço intelectual para se perceber que a modalidade de
português mais apropriada para a poesia trovadoresca de D. Dinis, de Martim
Codax e outros é a que a sociedade galaico-portuguesa da época criou. Ou
melhor, é a fase da língua portuguesa que resultou das relações sociais
medievais e servia como instrumento de comunicação naquela sociedade. O mesmo
tipo de argumento vale para as duas fases posteriores supra-mencionadas.
Em
síntese, cada fase histórica do desenvolvimento da sociedade que resultou na
brasileira atual tem a sua modalidade de língua portuguesa que melhor lhe
convém. E isso é mais uma faceta do fato óbvio já mencionado. A sociedade
portuguesa da época de Camões não é a mesma que a medieval, e ambas diferem da
atual, bem como da brasileira tanto de épocas passadas como da atual. Como a
sociedade, na qual é produto e instru- mento, a língua é dinâmica, evolui. Para
cada produto novo surge nova expressão lingúística, a cada inovação no modo de
produção e distribuição dos bens de que a sociedade necessita, corresponde uma
inovação na língua. Por outro lado, a cada padrão comportamental e/ou
sócio-econômico que se torna antiquado corresponde a arcaização e até o
desaparecimento da expressão lingúística
que
a ele se refere.
O
português brasileiro atual é uma língua latina (juntamente com o espanhol, o
francês, o italiano e o rumeno). Ao ser levado para a Península Ibérica, ou
mais especificamente, para a Lusitânia (antigo nome de Portugal), ele sofreu
uma série de adaptações ao meio local. Houve as invasões germânicas e árabes,
além da influência de povos vizinhos. Consequentemente, o português medieval já
diferia muito do latim, do qual tinha provindo, embora continuasse sendo uma
língua de pastores, de um pequeno reino do fim da Europa.
Na
época de Camões, ele se enriqueceu muito com as experiências adquiridas nas
aventuras
marítimas
e com o progresso sócio-econé mico em geral.
Esse
português foi trazido para o Brasil. Aqui ele sofreu não só a influência do
meio físico mas
também
a dos povos indígenas, africanos e de outros que, como imigrantes, vieram fazer
parte de nossa sociedade posteriormente. A língua portuguesa do Brasil atual é,
consegiuentemente, o resultado de tudo isso. Além do mais, temos que levar em
consideração a melhoria dos meios de comunicação que trouxe consigo uma maior
rapidez e eficiência na divulgação de informações. Hoje, até o analfabeto fica sabendo
imediatamente do que se passa do outro lado do mundo através do rádio e da
televisão.
Diante
de tudo isso, ficam desatualizados, defasados, antiguados mesmo, aqueles que
pensam
que
a língua não evolui. Ou então, admitem uma evolução tão lenta que não acompanha
o ritmo do progresso sócio-econômico.
Na
verdade, o reacionarismo sempre se volta, em todos os tempos e lugares, para o
passado. Ele não aceita o fato de que tanto o modo de produção e distribuição
da riqueza quanto as relações de produção (inclusive a língua) que lhes são
inerentesevoluem com a experiência adquirida no decorrerdo tempo e devido às
inevitáveis contradiçõesinternas de qualquer processo histórico. Como
osdocumentos do passado que constituem o acervocultural de determinada
sociedade estão semprnas mãos das elites dominantes, compreende-se
porque
normalmente padrões comportamentais
passados
são considerados pelos reacionários como
melhores
do que os contemporâneos.
O
sistema lingúístico que permite a intercomunicação entre nós no Brasil atual é
realmente um
produto
histórico, ele resultou da experiência acumulada pelas gerações que nos
precederam.
Assim
como evoluiu de geração para geração até hoje, ele continua evoluindo, não se
estagnou. Sendo um produto da ação do homem, pode ser modificado pelo próprio
homem. Ele não é imutável, eterno. Como qualquer fato de cultura (e até da
natureza), a língua se transforma.
Infelizmente,
os prepostos dos donos do poder, ou seja, os planejadores e executores da
política de ensino da língua nacional (gramáticos, professores de português,
autores de livros didáticos, organizadores de concursos públicos, etc.) não
aceitam isso. Para eles a língua é uma realidade estática, feita para todo o
sempre. E feita em passado bem remoto, por uma pequena minoria da população, ou
seja, a elite sócio-econômica. A grande massa dos trabalhadores, dos desempregados,
dos favelados, dos nordestinos famintos não teve, segundo esta elite, nenhum
papel na elaboração histórica da língua.
Eu
sei que o leitor deve estar achando estranho tudo isso, portanto, a partir
deste momento vou
comprovar
com fatos tudo que afirmei até agora.
A
todo instante vemos manifestações da mentalidade reacionária, voltada para o
passado. Em primeiro lugar, pode-se aduzir as abonações de regras nas
gramáticas. Sempre que pretendem
ilustrar
determinado uso que prescrevem, tiram os exemplos de autores portugueses.
Assim, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco e Camões são tidos como
autoridades inapeláveis em termos de “correção” linguística. Alguns deles são
do século passado. Outros são de séculos anteriores, como Camões, e alguns até mesmo
de fins da Idade Média, como Fernão Lopes.
Os
autores brasileiros também são citados. Mas de preferência os mais antigos.
Machado de Assis, José de Alencar e outros são frequentadores constantes das
gramáticas. Em suma, a preocupação constante é com citar autores “clássicos”,
na suposição de que só eles “conhecem bem” a língua. Ou seja, os olhos dos
gramáticos estão sempre voltados para o passado. Até mesmo gramáticas de
autores com razoável informação linguística incorrem nesse erro, nessa distorção.
É o caso da Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha.
Intimamente
associado a isso está a concepção implícita de que os portugueses sabem mais
português do que nós, de que falam “melhor do que nós”. Isso está implícito e
até explícito não só no que os portugueses pensam e dizem a respeito de nosso
uso linguístico. Os próprios brasileiros têm uma espécie de sentimento de
culpa, para não dizer complexo de inferioridade, pois acham que falam “tudo
errado”. Se quiserem falar bem têm que falar como os portugueses falam. Mas,
frise-se bem, o povo não tem culpa por pensar assim. Ele sempre foi oprimido
pela minoria dominante. Como consegiência, esse sentimento é imposto por ela a
fim de ter mais um recurso de domínio.
Grande
parte dos autores que tratam da questão do português brasileiro de uma
perspectiva teórica (Celso Cunha, Serafim da Silva Neto, por exemplo) falam em
servilismo linguístico. Relatam em diversas oportunidades a preferência que as
escolas brasileiras davam aos professores oriundos de Portugal para ensinar o
vernáculo.
Aliás,
não é necessário ir tão longe. Recentemente eu passei um artigo meu para um
colega lusitano que queria usá-lo em suas aulas. Porém, antes de passá-lo aos
seus alunos ele teve o cuidado de “corrigir” o “português”. Ou seja, para ele
meu trabalho estava eivado de erros, precisava ser purificado, lusitanizado. O
conteúdo era bom, tanto que ia usá-lo com seus alunos. Porém, a linguagem
precisava de correções, pois “português correto” é aquele que aprendeu lá em
Coimbra. Tudo que destoa do português conimbricense será erro, logo deve ser
corrigido.
O
mesmo sentimento existe no homem do povo, tanto de lá quanto de cá. Certa feita
fui objeto de risos por parte de uma balconista de uma loja do Porto porque
disse a uma pessoa que me acompanhava: “Pega ela!” (uma criança). Por outro
lado, é comum ouvirmos, aqui no Brasil, que os portugueses sabem conjugar os
verbos e colocar os pronomes oblíquos “melhor” do que nós.
No
âmbito dos pronomes a coisa dá pano para mangas. Praticamente todas as
gramáticas dizem que não se pode iniciar períodos com pronome oblíquo,
desrespeitando por completo o fato de que qualquer pessoa diz “Me dá um cópo
d'água”, “Me faça o favor”, etc. Expressões como “Vende-se casas”, que
encontramos a todo momento em qualquer cidade brasileira, são tidas pelos
gramáticos como erradas. Por quê? Em geral, como bons prescrevedores de regras
eles não se dão ao trabalho de justificar a existência de uma “regra” como
esta, que na realidade é uma interdição. No caso, porém, podemos, apesar de
tudo, descobrir que “razões” estão por trás da proibição de se dizer “Vende-se
casas”.
No
latim, o pronome “'se” não tinha forma para o sujeito, ou seja, não tinha o
nominativo. Ora, pensam os gramáticos, se em latim ele não podia ser sujeito,
em português também não pode sê-lo! Se antigamente não podia, hoje também não
pode, mesmo que todo mundo o use. Pois bem, já que o “'se” não é o sujeito
(pelo fato de não o ter sido em latim), o que pode exercer esta função é
“casas”. Como “casas” está no plural, não concor- daria com “vende-se”, que
está no singular. Conclusão: o “certo” é “Vendem-se casas”, para que haja
concordância entre sujeito e verbo.
Aparentemente,
a argumentação está perfeita. Ocorre, porém, que o fato de que o “se” não
funcionava
como sujeito em latim nada tem a ver com a possibilidade de que possa fazê-lo
no português atual. A língua evolui. O “se” pode ser sujeito sintático de um
verbo como qualquer outro pronome. A expressão “Vende-se casas” é perfeitamente
admissível até mesmo no nível culto, pelo simples fato de que é o que o povo
brasileiro usa. E se é o que o povo brasileiro usa é parte do português
brasileiro, como vimos ao comentar o fato óbvio de que partimos.
Para
justificar a expressão “Vendem-se casas” os gramáticos às vezes dizem que se
trata de uma construção passiva sintética, cujo equivalente analítico seria
“Casas são vendidas”. Mas isso é uma invencionice gramatiqueira sem o menor
fundamento na estrutura da língua. É um casuísmo inventado por alguém de
mentalidade ideologicamente distorcida e repetido em seguida por sequazes que
não se dão ao trabalho de indagar sobre o por que das coisas.
Argumentos
semelhantes são apresentados para justificar o “erro” de “Pega ela”. Uma vez
que no português lusitano não se admite o pronome tônico (do caso reto) como
objeto, no Brasil também não se pode admiti-lo. Mesmo que ele seja usado até
por pessoas cultas e que um filólogo como Antenor Nascentes não o considerasse
errado. Se antigamente era errado, hoje também tem que ser errado. Para os
gramáticos, a língua atual tem que ser a de antigamente, pois só aquela era “a
boa linguagem”, “a linguagem castiça”, “a linguagem dos bons escritores”
(leia-se “antigos”).
Algumas
gramáticas chegam ao absurdo de considerar “você” como um pronome de terceira
pessoa.
Isso porque com ele o verbo se flexiona como na terceira pessoa como, por
exemplo, em “você pega ela”. Ora, a mesma gramática que assim procede define os
pronomes da seguinte maneira:
1a
pessoa: aquele que fala;
2a
pessoa: com quem se fala;
3a
pessoa: de que(m) se fala.
Quem
consideraria “você” como “pessoa de quem se fala”? Só pode dizer um tal
disparate quem tem os olhos voltados para o passado e, por conseguinte, não vê
o presente, ou então, quem não é capaz de perceber uma contradição lógica.
Tempos
atrás havia verdadeiros caçadores de erros de linguagem. Um bom exemplo é a
famosa polêmica entre o ranzinza Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro. Aliás,
até hoje podemos encontrar espécimes deles nas fortalezas
filológico-gramaticais. Uma área em que eles se manifestam com relativa
frequência é a dos neologismos e a dos arcaísmos.
Como
se pode deduzir do que foi dito acima, os retrógrados apreciam muito os
arcaísmos. Para eles as expressões antiquadas são mais legítimas, mais fortes,
melhores mesmo do que as que não o são. O conhecimento de expressões arcaicas é
símbolo de cultura, de erudição, em suma, é índice de domínio da “boa
linguagem”. Todo retrógrado usa muitos provérbios, palavras em desuso na
linguagem corrente, construções e pronúncias ultrapassadas. Quem não procede
assim é, para ele, um desconhecedor do vernáculo.
Um
setor em que isto se manifesta em grande escala é o da regência verbal. Se abrirmos
uma
gramática
no capítulo que trata deste assunto e o observarmos criticamente, verificaremos
que mais de 60% das regências ali apresentadas são antiquadas, ou seja, não são
mais usadas na linguagem viva. Dentre elas, pode-se citar “visar a” (ter por
objetivo), “aspirar a” (desejar), “Assistir a” (presenciar). Assim, o certo
seria:
a)
Estudo visando a subir na vida;
b)
Aspiro a um futuro tranquilo;
c)
Assisti a um bom filme ontem
em
vez de:
a)
Estudo visando subir na vida;
b)
Aspiro um futuro tranquilo;
c)
Assisti um bom filme ontem
como
todo mundo diz. Para aumentar a lista de regências verbais desconhecidas do
falante brasileiro, pode-se consultar o Dicionário de Verbos e Regimes
de Francisco Fernandes.
No
que se refere aos neologismos, a coisa muda de figura. Há uma relutância muito
grande em
aceitá-los,
tanto no caso dos de origem giríaca, como no dos de origem estrangeira. A
gíria, como se sabe, reflete o lado dinâmico da língua, ela reflete sua
adaptação constante às necessidades comunicacionais do momento. Tanto que podem
desaparecer logo em seguida ao seu surgimento, se bem que algumas ficam e se
incorporam ao inventário lexical da língua. Por serem dinâmicas, novas, “sem
tradição”, elas são execradas pelos policiais da “boa linguagem”, não
importando se preenchem uma lacuna lexical ou não, como é o caso de “dica”.
No
caso dos neologismos de origem estrangeira, isto é, dos estrangeirismos, a
fúria purista se manifesta talvez até com mais vigor. Segundo a fonte, os estrangeirismos
são classificados como galicismos (do francês), anglicismos (do inglês),
italianismos, etc. Houve época em que se encontrava verdadeiros exércitos de
caçadores de galicismos. O gramático Napoleão Mendes de Almeida, por exemplo,
apresenta longas listas de galicismos. Para ele o “se” de “vende-se casas” é um
galicismo; tem função semelhante à do “on” francês. Já imaginaram o quanto isto
é absurdo!? Modernamente, os anglicismos, ou melhor, americanismos, proliferam
na língua portuguesa (aliás, em todas as outras línguas de sociedades
complexas, como a
francesa,
a italiana, a russa, a chinesa, etc.).
Curiosamente, a questão principal, a
causa de tanto estrangeirismo em nossa língua nunca foi atacada. Os puristas
xenófobos (nome bonitinho para indicar aquele que não gosta do que é
estrangeiro) se preocupam só com o efeito, ou seja, a existência dos
estrangeirismos. Se lutassem para acabar com nossa dependência econômica em
relação aos Estados Unidos (e à Europa), se lutassem para acabar com o subdesenvolvimento
em que estamos atolados, se tentassem acabar com as injustiças cometidas na
distribuição desigual da riqueza pelas classes antagônicas que constituem a
população do Brasil, em síntese, se lutassem para solucionar os problemas
brasileiros com soluções brasileiras, acabariam com a dependência científica,
tecnológica, política e cultural em que estamos em relação aos países altamente
industrializados, sobretudo os Estados Unidos. Com isso, desapareceria também a
dependência linguística. Em vez de importadores, passaríamos a ser exportadores
de tecnologia, de cultura e de expressões lingúísticas. Atacar os efeitos por
decreto, policialescamente, nunca funcionou em época nenhuma e em lugar nenhum.
Enquanto vivermos preocupados com adquirir a última novidade tecnológica
inventada pelos estadunidenses, pelos europeus ou pelos japoneses, estaremos
marginalizando a esmagadora
maioria
dos brasileiros em benefício de uma minoria americanizada e americanizante, em
todos
os
setores da cultura, inclusive a língua.
Para
falarmos em termos atuais, o modelo de desenvolvimento posto em prática pelo
grupo que em 1964 derrubou o governo, democrática e legitimamente eleito, e vem
entregando tudo que produzimos aos estrangeiros por causa de uma dívida
contraída à revelia da vontade do povo só faz descaracterizar nosso país,
inclusive a língua. O afluxo de estrangeirismos é efeito, não causa. A
americanofilia (gosto pelo que é norte-americano) da camarilha que está
entregando o país para o FMI é tão grande que um dentre eles disse certa vez:
“Isso é negligível”. Ou seja, ele não sabia que “negligible” do inglês se
traduz é por “desprezível”, não por “negligível”. Seus olhos estão tão voltados
para lá que até as palavras portuguesas para ele são, em primeiro lugar, tradução
das palavras inglesas.
É
claro que os puristas não gostam de barbarismos como “negligível”, pois é uma
inovação,
desnecessária
no caso. No entanto, como o status quo é intocável, as leis e os governantes
que eventualmente estejam no poder aí estão para ser cegamente obedecidos, o
que os puristas reacionários conseguem é, no final das contas, apoiar
barbaridades como a supra-mencionada, ainda que indiretamente, mediados pela
intocabilidade do sistema. A contragosto acabam apoiando coisas que execram.
A lição
que devemos tirar é que nada é eterno, imutável, no plano da cultura. Os meios
de pro-
dução
se transformam, evoluem, constantemente. E o desenvolvimento dos meios de
produção e distribuição da riqueza acarretam mudanças comportamentais. A cada
estágio de desenvolvimento correspondem novos padrões comportamentais. As
comunicações via Embratel, por satélite e por outros meios tiveram
consequências sociais significativas. Elas acarretam a transformação do mundo
em uma “aldeia global”.
Devemos
participar desse intercâmbio de informações a nível mundial, não passivamente,
mas
ativamente,
tentando impor novidades por nós criadas. Só assim poderemos participar da
comunicação mundial em nível de igualdade, adotando conscientemente o que nos é
necessário e recusando o supérfluo que queiram nos impingir. Só assim
evitaremos a invasão incontrolada de americanismos, admitindo apenas os termos
e expressões que preencham lacunas reais. Afinal, nenhum país do mundo é
totalmente autônomo. Pelo contrário, há uma interação constante entre eles. A
direção da influência é determinada pelo potencial sócio-econômico de cada um.
O mais forte sempre impõe a cultura (material, espiritual e, portanto, também a
língua) que considera melhor. Roma impunha uma cultura que não era a sua, ou
seja,
a grega, que de qualquer maneira era a que as classes dominantes da época
consideravam digna de ser imitada.
O
inglês estadunidense é a língua que atualmente mais envia empréstimos para
todas as outras línguas do mundo. No entanto, é uma das línguas que menos
preconceitos tem contra empréstimos. Se um norte-americano sente necessidade de
estrangeirismos usa-os sem o menor pejo, conscientemente, sem com isso
descaracterizar sua língua porque o inglês só precisa de termos importados
quando se fala de coisas exóticas. É o caso de "junta” (militar) e
“guerrilha” que, para vergonha dos latinos, foram tirados de suas línguas.
Trata-se
de
assuntos alheios à cultura estadunidense. No entanto, quando se trata de
ciência, tecnologia e novos padrões comportamentais, quem exporta novidades são
eles.
Em
síntese, pode-se dizer que a língua evolui, mas esta evolução tem muito a ver
com a evolução sócio-econômica. Neste sentido ela não pode ser controlada nem
policiada; ela é inexorável, independente do indivíduo, mesmo que ele seja um
gramático, um professor de português ou um ditadorzinho de uma republiqueta
sul-americana. A pressão policialesca por eles exercida só funciona (se
funciona) em sua presença. Nas ruas e em casa o povo continua se comunicando
como sempre se comunicou, isto é, através do português vivo, dinâmico, que
resultou das vicissitudes históricas por que passou e está passando. Veja-se o
exemplo do Paraguai, onde os tiranetes do passado proibiram o guarani nas
escolas. Não adiantou nada, pois no pátio, nos cantos, na volta para casa os
alunos sempre falavam em sua verdadeira língua, que era o guarani.
A
evolução lingúística não se faz por decreto. Ela está sujeita a leis históricas
inexoráveis. Se as forças de produção e as relações de produção apresentam um
ritmo acelerado ou lento de desenvolvimento, o mesmo sucederá com o
desenvolvimento lingúístico. Se elas forem escassas e precárias, a cultura será
fraca e bastante vulnerável às importações, tanto tecnológicas quanto culturais
e lingúísticas.
Esta
é a situação do português atual. Ele não é mais aquele que os trovadores
medievais empregaram em suas cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de
maldizer. Tampouco é o de Camões. Por fim, ele não é o mesmo que se fala em
Portuga hoje.
É um
português cheio de americanismos? Sim, porque somos altamente dependentes dos
Estados Unidos economicamente. Até para aferir o valor de nossa moeda é o dólar
que serve de padrão. (Por que não usar o padrão ouro?) É claro que isso
acarreta dependência. Por isso nos enviam artefatos tecnológicos e modismos
comportamentais e lingúísticos. Estes são consequências daqueles.
É um
português cheio de francesismos e de italianismos? Sim, porque a literatura e a
moda francesa sempre foram tidas como dignas de ser imitadas. Cheia de
italianismos porque recebemos um grande contingente de imigrantes italianos, os
quais passaram a fazer parte das forças e das relações de produção brasileiras.
Logo, nada mais natural que contribuam também linguisticamente.
É um
português acaboclado? Sim, porque a esmagadora maioria dos brasileiros vive à
margem do processo produtivo. Somos um país não só eminentemente rural mas
também favelizado em alto grau. As maravilhas tecnológicas importadas e às
vezes até mesmo montadas aqui (flipperamas, vídeo-cassetes, minicomputadores,
tanques e aviões de guerra) não enganam ninguém. Elas giram em torno de uma
minoria insignificantíssima da população brasileira.
Diante
de tudo isso, como é que podemos aceitar que os porta-vozes da minoria
detentora
do
poder (econômico, político e militar) venham impor à maioria a linguagem que
consideram boa? Trata-se simplesmente de mais um recurso de que dispõem para
manter a maioria subjugada. Se esta quiser falar “o bom português”, deve pedir
aos serviçais dos donos do poder a chave, pois só eles a possuem. A porta que
leva a este português está sempre voltada para trás, leva ao passado, ao como
os antigos (leia-se, os escritores clássicos) falavam e escreviam.
DISTORÇÃO ESPACIAL
Antes
de mais nada, devo repetir que a distorção espacial consiste em querer impor a
linguagem de uma região a todo um país, a toda a nação ou a todo um domínio
lingúístico. Como já vimos, isto representa uma violência, um desrespeito aos
direitos dos habitantes das demais regiões desse domínio lingúístico.
A
distorção espacial não se desvincula inteiramente da distorção temporal. Com
efeito, já
mencionei
o sentimento de que os portugueses “falam melhor do que os brasileiros”. Isto é
também
uma distorção espacial, pois colocamos o centro detentor de português correto
em outro país que não o nosso, embora este país represente, ao mesmo tempo, o
nosso passado. Ora, para qualquer pessoa dotada de senso crítico isto é o
cúmulo do absurdo, demonstra ausência completa de visão histórica.
A
crença na superioridade linguística de Portugal em relação ao Brasil era muito
forte no passado. Podemos mesmo afirmar que até certa época o português
brasileiro era visto como um desvio, uma deformação do português puro de
Portugal. Os motivos imediatos para esta opinião são as diferenças
fonético-fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e lexicais entre as
duas modalidades de português.
No
plano morfológico as coisas saltam mais à vista. O sistema pronominal do
português brasileiro, por exemplo, é bem diferente do lusitano e inclusive
varia de região para região. Assim, na região Centro-Sul (São Paulo, Minas,
etc.) ele é mais ou menos o seguinte:
Caso
Caso oblíquo,
reto objeto Possessivo
sujeito Átono | Tônico
eu me mim meu
você
te você seu
ele (o) ele dele, (seu)
nós nos nós nosso
vocês
(os) vocês de vocês
eles
(os) eles
deles
Toda
essa diferença no sistema pronominal acarreta uma reorganização completa no
sistema linguístico. Por exemplo, a substituição de “tu” por “você” acarretá
mudança na conjugação verbal, que não mais teria a forma com — s (amas,
vendes,
etc.).
No
âmbito dos possessivos houve uma reestruturação considerável. Em Portugal,
“seu” significa “dele” e “deles”. Como no Brasil passou a significar “de você”,
as significações que ele tinha lá passaram a ser expressas por “dele” e “deles”
mesmo cá. Expressões como “O presidente e seus (dele) ministros” e “Os
ministros e seu (deles) presidente” não são apreciadas pelo povo brasileiro. É
claro que em linguagem culta “seu” continua sendo usado no sentido de “dele” o
que, aliás, provoca muitas ambigúidades. Por exemplo, quando vemos uma frase
como “João e seu amigo” não sabemos se o amigo é de João ou de você.
No
plano sintático poderia ainda exemplificar com os pronomes. No Brasil há uma
clara tendên-
cia
para se colocar os pronomes oblíquos antes do verbo. É o caso de “eu te amo”,
“me dá um copo d'água”, etc. Em Portugal, por outro lado, a tendência é no
sentido de colocar o pronome após o verbo, ou no meio dele, em alguns casos.
Veja-se, por exemplo, “Ele deu-nos um presente”, “o ódio espreita-nos”,
“dar-te-ei um presente”, etc., todos tirados de gramáticas editadas em
Portugal.
A
construção brasileira “me dá um copo d'água” deixa um professor português
empertigadinho de cabelos arrepiados. Em primeiro lugar, em Portugal não se
inicia frase com pronome oblíquo (me dá...). Em segundo lugar, já que o pronome
de tratamento no Brasil é “você”, o verbo deveria ficar na forma “dê”.
Conclusão, na visão dos portugueses e até de muitos brasileiros serviçais das
classes dominantes, a frase em questão está duplamente errada, pois infringe duas
regras do português lusitano. Se o brasileiro fala diferentemente, deve se
corrigir, pois está “errado”. O certo é como eles falam, pois é lá que está a
norma.
É
interessante notar que os que condenam expressões como essas nunca justificaram
por que
assim
o fazem. Para os reacionários, o que não está na gramática e no dicionário
oficiais (cópias dos similares lusitanos) não existe. Aliás, eu nunca entendi
tão esdrúxulo critério de existência. Ele não resiste à menor crítica.
As
raras vezes em que tentam alguma justificação para não se usar formas como
essas, alegam que elas são muito populares. Se formos adotar formas populares a
todo instante, cairíamos na desordem total (pavor dos reacionários) e não
haveria mais a possibilidade de intercomunicação. Isso teria “cheiro de povo”
em demasia, sendo que os donos do poder preferem “cheiro de cavalo”, como disse
o Figueiredo.
Eu
afirmo justamente o contrário. Se admitissem a linguagem do povo brasileiro
como ela realmente é, haveria muito menos problemas de intercomunicação. É
justamente a não admissão dessas formas, que estão aí quer queiramos quer não,
que provoca a incomunicação, ou, pelo menos, atrapalha a comunicação, criando
ambiguidades. Dizer que “o presidente e os ministros dele” é errado, é criar uma
duplicidade de formas que perturba a comunicação. Fiquem sossegados todos
aqueles que têm medo da incomunicação. A língua existe justamente para isso. No
momento em que deixar de representar este papel, ela desaparecerá. É o que está
ocorrendo com o português dos gramáticos reacionários.
Há
também causas mediatas para a crença na superioridade lingúística lusitana. São
as sócio-
econômicas,
infra-estrutura que subjaz a toda a superestrutura sócio-cultural, na qual se
insere a língua. As forças de produção e as relações de produção têm um papel
determinante.
Desde
a época do Brasil-Colônia, estivemos sempre com os olhos voltados para a
Europa.
Se
percorrermos a literatura brasileira verificaremos que o desejo de todo
intelectual tem sido
ir
se aperfeiçoar na Europa. Começando pelos bacharéis que iam para Coimbra,
passando pelo
período
francês, chega-se à atualidade em que o ideal é pós-graduar-se na Europa e nos
Estados Unidos. Aliás, hoje estes substituíram aquela. Mas, o fato principal é
que continuamos ávidos por saber o que é que os europeus, os japoneses e os
estadunidenses, hoje mais estes que aqueles, estão fazendo, em todos os
sentidos. Qualquer produto feito nos Estados Unidos, no Japão ou na Europa, é
melhor que os brasileiros, é mais cobiçado.
Se
no plano sócio-econômico este é o estado de coisas, que dizer do
sócio-cultural, em geral, e do linguístico, em particular? É claro que a
linguagem do europeu (dos portugueses, no caso) é melhor do que a nossa. O que
surge aqui é cafonice, é caboclismo, é provincianismo.
A
bem da verdade temos de reconhecer que está começando a haver uma reversão do
processo no que se refere a Portugal, devido ao grande sucesso das telenovelas
brasileiras junto ao público português. Eu mesmo vi com quanto interesse Os
portugueses de uma pequena cidade do interior de Portugal (Beja) seguiam a
novela Gabriela, em 1977. Todas as atividades rotineiras paravam enquanto ela
estava no vídeo. Não se podia nem conversar, pois atrapalhava.
A
consequência natural do fato de os portu- gueses verem constantemente programas
brasi-
leiros
é a intromissão de expressões, de gírias, torneios sintáticos e talvez até de
pronúncias
típicas
do Brasil no português lusitano. Creio que ainda não há nada escrito a respeito
do assunto, mas o testemunho de diversas pessoas que passam temporadas em
Portugal dá conta de que já ocorrem expressões brasileiras nas ruas.
No
entanto, é bom frisar que isso só começou a ocorrer bem recentemente e só entre
as pessoas comuns, o homem da rua e os jovens. A minoria presunçosa e
reacionária que zela pelos interesses dos detentores do poder continua achando
que o português lusitano é melhor do que o brasileiro. E aqui se verifica mais
uma vez como o aspecto espacial e o temporal se imbricam com o social. Com
efeito, a superioridade econômica portuguesa de há muito está superada. No
entanto, como as classes dominantes nunca aceitam de bom grado as mudanças,
continuam apegadas a relações sociais baseadas em modos de produção de épocas
passadas. Este refluxo da influência lingúística também tem por base fatos
sócio-econômicos. O Brasil tem hoje uma infraestrutura econômica muito superior
à portuguesa, tanto quantitativa quanto qualitativamente. Mais especificamente,
temos a Rede Globo de Televisão, que se tornou uma das maiores do mundo no
gênero, exportando programas para o mundo inteiro. Assim, em futuro talvez não
muito remoto, a influência do português brasileiro, que é ainda incipiente e
apenas quantitativa, dê um salto qualitativo. Se isso ocorrer, é o português
brasileiro que passará a ser modelo, os portu- gueses é que quererão imitar o
modo de falar brasileiro e, o que é mais importante, os escritores portugueses
é que procurarão imitar os brasileiros. Gostaria de deixar bem claro que aqui
não se trata da questão da “língua brasileira” ou do “brasileiro”, como se
disse no passado. Portugal e Brasil falam a mesma língua, só que cada um tem sua
modalidade específica de português, em consonância com suas forças e relações
de produção específicas. Mas, a distorção que consiste em deslocar o centro de
português correto para Portugal não é a única distorção espacial.
Uma
outra distorção espacial muito arraigada é a crença na superioridade da
linguagem da cidade em relação à do campo ou, como nós dizemos, da roça. Se
entendemos por superioridade - maior complexidade, intensidade maior de
comunicação, cosmopolitismo, é claro que a linguagem urbana é superior à rural.
No entanto, este conceito de superioridade leva necessariamente a outro, o de
correção e, ao fim e ao cabo, é este que prevalece na prática. Ora, sabemos que
a língua existe como veículo do pensamento e da comunicação. Exploremos este aspecto.
Vejamos
a frase do português culto “Todas as meninas pequenas
chegaram atrasadas”, e comparemo-la com a equivalente na
maioria dos falares caboclos, ou seja, “As menina pequena “chegô tudo
atrasado”. Para o gramático lusitanizante, elitista, a frase cabocla está
inteiramente deformada, perdeu uma série de desinências que a equivalente culta
tem. Em suma, O português caboclo seria uma transformação para pior, uma
corruptela do português culto.
Nada
está mais longe da verdade. O português caboclo é realmente o resultado de uma
evolução histórica. No entanto, ele evoluiu não do português culto, mas daquele
que foi levado para as zonas rurais em grande parte contemporaneamente à
chegada do português culto às cidades. Assim sendo, o português caboclo tem uma
história que se imbrica com a do culto, mas está longe de ser originário dele.
E se não é originário do português culto, como é que podemos considerá-lo uma
deformação dele?
Na
sociedade rural, o português caboclo funciona tão bem quanto o culto nos meios
cultos, como o francês na sociedade francesa e assim por diante. A frase há
pouco citada é, do ponto de vista da informação a ser transmitida, perfeita.
Analisemo-la mais detidamente.
A
frase culta informa seis vezes (em todas as palavras) que se trata de mais de
um (plural), como se vê no sublinhado duplo. A informação de que se trata de
ser do sexo feminino, está representada cinco vezes, como se vê no sublinhado
simples. Apesar disso, quem ousaria dizer que a frase cabocla não informa tudo
que a culta informa, em seus respectivos contextos?
Para
dirimir qualquer dúvida, comparemos estas frases com a equivalente na língua
mais cobiçada do mundo, o inglês. Nesta língua, teríamos aproximadamente “All
the young little girls arrived late”. Aqui só se informa que se trata de ser do
sexo feminino no próprio substantivo “girl”. A informacão de que se trata de
mais de um só se indica no s que se combina com ele, “girls”. Conclusão, o
português caboclo se aproximaria mais da língua mais “chic” do mundo do
que
do português culto. Como é que podemos considerá-lo uma deformação, um aleijão?
O argumento não se sustenta de forma nenhuma. E isto mostra mais uma vez que O
conceito de
“bom”,
“correto”, “superior” e outros semelhantes não são absolutos, mas relativos a
contextos sócio-econômicos e sócio-culturais.
Diante
de tudo isso, podemos perguntar qual é a função da escola que tem como
clientela os favelados e o caboclo. Para a ideologia dominante, que é sempre a
das classes dominantes, a função da escola, sobretudo da escola rural, é
urbanizar, é melhorar, é “endireitar” a linguagem deste segmento da população
do país. O termo “endireitar”” foi usado por uma aluna do primeiro semestre de
letras da UnB, portanto, de uma futura professora de português. Por trás desta
postura ideológica está uma série de conseguências.
Uma
delas é que o substantivo “urbanidade” quer dizer “civilidade” (este também
ligado a cidade), “cortesia”, “afabilidade”, “delicadeza”, etc. Segundo esta
concepção distorcida, entre os caboclos, os operários e os favelados não há
gentileza, cortesia, delicadeza. Aliás, esta deformação ideológica vem de longa
data. Já na Idade Média o habitante das vilas era “grosseiro”, “rude”,
“perigoso”, em suma, “vilão”.
Se a
futura professora de português, que por sinal é bastante aberta, liberal, acha
que o papel do professor de português é endireitar a linguagem das crianças da
roça e da periferia dos centros urbanos, é porque essa linguagem está torta,
pois só se endireita o que está torto. Mas, a culpa não é da aluna em questão.
Ela é mais uma vítima de um ensino deformado e deformante, pois não parte da
realidade como ela é, mas do como os serviçais dos donos do poder pensam que
deveria ser. Há distorção maior do que essa?
Discutimos
até agora dois tipos de distorção espacial, isto é, a que considera o português
lusitano melhor que o brasileiro e a que considera a linguagem urbana mais
correta do que a rural. Passemos agora para um outro tipo de distorção espacial
que, aliás, ocorre em quase todos os países do mundo.
Devido
ao fato de o Rio de Janeiro ter sido a sede da corte e, posteriormente, da
capital federal
houve
até recentemente uma crença na superioridade do português carioca sobre o das
demais regiões do Brasil. O Rio de Janeiro era o lugar onde se falaria o melhor
português, o português carioca seria a norma para todo o Brasil.
Hoje
em dia pode parecer estranha esta afirmação. Entretanto, há até bem pouco tempo
havia
praticamente
um consenso em torno do assunto. Tanto que isto ficou formalmente estabelecido
em
dois congressos. O primeiro foi sobre a língua cantada, cujos anais saíram em
São Paulo em 1938 sob o título de Anais do Primeiro Congresso da Língua
Nacional Cantada. O segundo, realizado em Salvador, foi publicado com o nome de
Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de L íngua Falada no Teatro, no Rio de
Janeiro, em 1958. Ora, presumivelmente comparecem a congressos como estes os
maiores especialistas no assunto.
Na
verdade, até mesmo alguns lingúistas de épocas mais recentes compartilham tal
opinião. E para não serem acusados de carioquismo, alegam que até o
paulistaníssimo Mário de Andrade concordava com essa idéia. No entanto, ao que
eu saiba, este autor era um escritor. Se era um modernista, iconoclasta, se
anunciou uma “gramatiquinha” do português brasileiro, nada disso faz dele um
linguista acabado. E o próprio bom senso nos diz que em matéria de língua a
palavra pertence, por definição, aos linguistas.
Estou
me referindo não ao uso da língua, que é outra questão. Aí os escritores, os
grandes estilistas estão com a palavra. Refiro-me antes à descrição, à análise,
ao estabelecimento de uma política linguística. Enfim, refiro-me à questão do
estabelecimento da norma linguística, questão que examinarei detalhadamente em
seção própria. Na esteira dessas “autoridades”, muitos professores de
português, muitos gramáticos, muitos planejadores de ensino têm incorrido no
erro de considerar o português carioca como a norma, o modelo para o resto do
país. Esta opinião é insustentável por vários motivos.
Primeiro,
porque é uma distorção intolerável. Faz tábua rasa do fato óbvio enunciado
desde o início: a língua de um povo é a língua usada por esse povo. Ora,
qualquer pessoa que pense percebe que o povo brasileiro não é só o povo
carioca. Temos também mineiros, paulistas, gaúchos, cearenses, baianos e assim
por diante. Se aceitarmos o português carioca como sendo o do Brasil em geral
estamos simplesmente dizendo que as outras regiões do país não contribuíram em
nada para a criação e evolução do português brasileiro. O que uma concepção
como essa consegue é criar um clima de antagonismo entre o Rio de Janeiro e as
outras regiões do país, pois estaria havendo um imperialismo
lingúísticocarioca.
Segundo,
porque há outras regiões que reivindicam o privilégio de ser o centro de
“português correto”. Já houve quem dissesse que Belo Horizonte seria esse
lugar. Os habitantes das outras cidades, dos outros estados concordariam com
isso? Claro que não.
Uma
opinião que se ouve fregientemente no seio do povo é a de que o lugar do Brasil
onde melhor se fala. o português” é em São Luís, Maranhão. Alguns até
acrescentam uma justificativa. Seria porque lá se fala mais de acordo com o
português lusitano. Observem que aí a distorção temporal aparece
subrepticiamente. Em outros termos, em São Luís se fala “bom português”” porque
a linguagem de lá é mais parecida com a de Portugal, a qual foi levada para lá
no passado. E tudo que é passado é melhor, segundo a concepção dos donos do
poder e de seus prepostos.
Terceiro,
porque se formos falar cientificamente, o português carioca é um dos mais
marcados regionalmente, pelo menos na pronúncia. A fricativização do t e do d
antes de ; (como em “txia”), bem como a palatização do s final de sílaba (como
em “noix”') é uma das características mais marcantes do português carioca. Ser
marcado regionalmente é o mesmo que dizer “tender para o provincianismo”. Esta
característica regional do português carioca é tão marcante que um nome como
“Castilho” às vezes soa como “'Caxilho”. Uma região de colonização
relativamente recente, como o norte do Paraná, nem é levada em consideração
quando se fala em “bom português”. Um professor universitário de São Paulo me
disse enfaticamente que regiões como essas podem e devem ser ignoradas quando
se fala em norma linguística porque “não têm tradição”. Observem " mais
uma vez a atenção voltada para o passado! Transposto para outro nível, o
jurídico e o político por exemplo, isso equivale a dizer que os jovens não
devem ser levados em consideração na elaboração das leis e na escolha dos
dirigentes do país. Eles não têm experiência, não conhecem
os
hábitos, os costumes passados. Em suma, não podem participar porque “não têm
experiência”. É claro que aqui se entende por experiência vivência com o
passado, ter como válidos só os valores antigos.
É
justamente o contrário que é verdadeiro. O jovem tem muito mais vínculos com o
presente, com a práxis humana concreta, com a vida real. Ele tem muito mais
sensibilidade para as reais necessidades do homem concreto do que os mais
velhos. Tanto assim que em geral é mais liberal que os velhos, normalmente
conservadores e às vezes até mesmo claramente reacionários, o que não impede
que haja jovens reacionários e velhos liberais. Pois bem, por que excluir do
processo político justamente aqueles que têm mais sensibilidade para perceber
as reais necessidades do povo?
Do
mesmo modo podemos perguntar: por que não se inclui as regiões de colonização
mais recente ao se estabelecer a norma linguística geral? Pelo fato de serem
centros de convergência de pessoas de diversas regiões, talvez espelhem melhor
que qualquer outra mais tradicional as reais tendências da língua. É nelas que
se verificam de maneira palpável o embate de diversas tendências em conflito.
Quem sabe é justamente aí que se encontrará a síntese dos contrários (as
diversas variedades regionais da língua) que compõem a totalidade do português
brasileiro?
Considerada
como um todo, a língua dos brasileiros, assim como qualquer outra língua do
mundo, envolve sempre duas tendências conflitantes. A primeira é centrípeta,
unificadora. Resulta da necessidade de comunicação a nível nacional e até
internacional, inciuindo Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo
Verde, etc. A segunda é centrífuga, diversificadora. Resulta da necessidade de
expressão das especificidades regionais, grupais e até individuais.
Na solução
para este conflito entre a necessidade de comunicação geral e a de expressão
individual se revela a ideologia dominante (das classes dominantes). Se se
tratar de uma fase histórica em que predominam as forças conservadoras, se
optará pela comunicação geral, pela unificação. Mas será uma unificação forçada
de cima para baixo, que tentará impor a linguagem do passado (que tem
“tradição”), da região que “melhor fala” ou pura e simplesmente a linguagem que
a elite dominante considera a melhor, como veremos no próximo capítulo.
Se,
por outro lado, as forças dominantes forem inovadoras, liberais, será
enfatizada a expressão individual. Com isso não se quer dizer que a comunicação
geral não importa. Pelo contrário, ela sairá fortalecida porque estará estribada
em bases reais, ou seja, na expressão individual e regional. Afinal de contas,
o geral só existe em função do particular e o particular só existe em função do
geral. Ningueín melhor do que o jovem para perceber isso.
As
forças reacionárias sempre se justificam acenando com o perigo da desordem
geral, do caos. Ou seja, se liberarmos as forças populares, todos os valores
tradicionais cairão por terra, não haverá mais uma língua comum a todos os
brasileiros, cada região terá seu dialeto e cada indivíduo sua linguagem
especial. Não haverá mais comunicação.
Já
que essas forças reacionárias não se dão ao trabalho de produzir (algo novo),
mas se limitam a reproduzir (o velho), lembremos-lhes que a comuna antiga e a
maioria das tribos indígenas atuais não têm instrumentos coercitivos à
atividade individual. No entanto, os antropólogos sabem que elas são muito mais
coesas do que as sociedades que se encontram sob o jugo de ideologias
reacionárias. A comunicação é muito mais eficaz lá do que cá, uma vez que se estabelece
diretamente, sem intermediários, sem “extensões” como telefones, rádios,
televisão, etc.
A
norma geral não se estabelece, como se vê, por decreto. Assim, a necessidade de
comunicação geral é satisfeita por outros meios, à revelia dos donos do poder
que tentam distorcer a realidade apresentando uma das facetas da língua como se
fosse o todo. Às vezes se toma a linguagem de uma região como se fosse a de
toda a nação, às vezes se toma a de épocas passadas como se fosse a atual (como
vimos no capítulo anterior) e às vezes se toma a de uma classe social como se
fosse a de todas as classes que compõem uma nacionalidade.
Mas,
ainda não é o momento de discutir a questão da norma. Antes temos que falar
sobre
a
distorção social.
DISTORÇÃO SOCIAL
Como
ficou dito em capítulos anteriores, entende-se por “distorção social” o
deslocamento de ótica que consiste em tomar a linguagem de uma classe como se
fosse a de toda a nação. Isto só pode ocorrer em sociedades divididas em
classes antagônicas. Eu sei que os donos do poder não aceitam afirmações como
esta. Para eles não há antagonismo de classes no Brasil. Mas, então eu
pergunto: por que a classe média e as elites vivem eternamente com medo de
roubos, de assaltos, de assassinatos? Por que existem os trombadinhas, os
tomadores-de-conta de carros nos estacionamentos (mesmo privados) que tanto nos
incomodam? Trata-se de uma pequena manifestação, de um forçar-a-barra por parte
da classe marginalizada
e
oprimida.
Por
outro lado temos a elite dominante que oprime os trabalhadores com ameaças
constantes
de
demissão, de prisão, entre outras. Lá no meio está a classe média, sustentáculo
imediato do poder dominante. Tanto tudo isso é verdade que sempre que alguém
denuncia algum tipo de injustiça social é tido como comunista, deve ser punido.
Então, há classes antagônicas ou não?
Já
que a sociedade brasileira está dividida em classes, o português brasileiro
apresenta, necessariamente, o reflexo dessa divisão, pelo simples fato de a
língua ser um produto e um instrumento da sociedade, além de ser seu
ingrediente mais importante. É por isso que vimos que até mesmo o português de
uma cidade (como Belo Horizonte, Rio, S. Paulo, etc.) apresenta diferenças de
nível de formalidade. Aí temos uma /inguagem culta (literária,
erudita), empregada por uma pequena minoria, uma /inguagem média e uma linguagem
popular.
Estatisticamente,
a composição das classes correspondentes é mais ou menos como se vê na
seguinte
pirâmide:
A =
elite dominante
classe
média
o
H
C =
trabalhadores,
roceiros,
favelados,
marginalizados,
etc.
----------------------------
Apesar
disso, é a linguagem da elite dominante que é considerada a norma oficial. E
quando analisamos o modo pelo qual isso se verifica, constatamos que a
distorção social é praticamente um resumo da espacial e da temporal. Com
efeito, aquilo que a elite dominante (via gramáticos, professores, escola,
etc.) considera a norma geral é tirado do acervo acumulado pelas elites
dominantes do passado. Ou a grande massa de nordestinos famintos, de favelados,
de desempregados, de analfabetos e de marginalizados contribuiu de alguma forma
para aquilo que está nas bibliotecas? As classes dominantes sempre se
concentraram nos grandes centros urbanos. Daí o fato de o modus communicandi
destes centros ser a base para o estabelecimento da norma geral.
O
famigerado Projeto NURC (Norma Urbana Culta) é altamente elitista. Só inclui a
linguagem
dos
grandes centros, e mesmo assim. só dos tradicionais. A linguagem de uma cidade
como Londrina ou Goiânia não tem vez, pois se trata de cidades “sem tradição”.
Até mesmo Belo Horizonte só foi incluída recentemente. Ainda bem que tal
projeto nunca vai ser concluído, a julgar pela lentidão com que está sendo
desenvolvido. Voltarei a ele no próximo capítulo.
A
distorção social, ou seja, o considerar a linguagem das elites como sendo a de
toda a sociedade, tem uma série de consegiências. Dentre elas eu gostaria de
discutir as “reformas” ortográficas por que o português brasileiro tem passado.
Mais especificamente, vou falar sobre a última reforma da acentuação gráfica de
1971.
Como
as classes dominantes, ou melhor, os eventuais detentores do poder normalmente
não têm o menor compromisso com a comunidade, sua preocupação maior é com a
manutenção do próprio poder. Assim sendo, não se consulta as bases, o povo, a
fim de saber de seus anseios. Tudo se faz em acordos de cúpula, em panelinhas.
E foi assim que se escolheu a comissão de “especialistas” encarregada de mudar
a acentuação gráfica no português brasileiro. Qual foi o resultado?
Eu
costumo dizer que tiraram o acento (ou o trema) de onde não precisava, de onde
não podia e de onde não existia. Assim, antigamente, o acento agudo virava
grave e o circunflexo permanecia nas palavras que sofriam o acréscimo do sufixo
-mente ou de outro iniciado por -z-(zinho, zada, etc.). Exemplos: só+zinho =
sózinho, só+mente = sômente, amigável+mente = amigàvelmente, avôtzinho =
avôzinho, etc. Pois bem, neste caso o acento caiu. Mas, desnecessariamente.
Aliás, ele mem devia virar grave. Tais palavras deveriam ser escritas “sózinho,
sómente, amigávelmente, avôzinho”, etc., como ocorre no espanhol e como
aconselha o bom senso e a ciência. No case do acento diferenciado, ele não
podia ter sido suprimido. É o caso, por exemplo, de “fôrma” por oposição a
“forma”, de “êle” por oposição a “ele” (nome da letra), de “pôde” (passado), por
oposição a “pode” (presente). Em oposições como estas o acento tinha base
científica. Ele distinguia as vogais abertas (é, ó) das fechadas (ê,
ô) que são fonemas distintos. O acento era usado para marcar uma oposição
fonológica, portanto, justificada pela ciência da linguagem, a lingúística.
Finalmente,
“suprimiu-se” o trema de palavras como “saiidade”, “vaidade”, etc, Você sabia
que elas tinham trema? Eu também não. Pois bem, apesar de elas sempre terem
sido escritas sem
trema,
a referida reforma o tirou delas.
Para
deixar bem clara a inconsistência da reforma, deixaram uma exceção no caso do
acento diferencial, ou seja, “pôde”. No caso de “pára” (v. parar), “pólo”,
pélo”, “pélas” e “péla” (v. pelar) permaneceu o acento gráfico, apesar de o
motivo ser outro, ou seja, Oporem-se às átonas “para” (prep.), “polo” (contr.
de por+lo), pelo (contr. de per+lo), pelas (contr. de per+las), pela (contr. de
per + la), respectivamente, Já viram absurdo maior que este? É simplesmente uma
afronta à inteligência do povo brasileiro.
Fatos
como esses só são possíveis em republiquem acento nas palavras X, y e 21”. E
nós colocamos. Depois, um outro chefete, que desalojou o primeiro, nos ordena:
“Tirem o acento das palavras x, y e Z!”. E nós obedecemos, se quisermos
escrever “certo”. Em suma, não se trata de matéria de ciência, mas de lei, ou
melhor, de decreto-lei (ou simplesmente de decreto). O mesmo vale para a
ortografia em geral (x/ch, s/z, g/j, etc.). Somos verdadeiros joguetes nas mãos
dos tiranetes (vale a rima).
No
fundo, no fundo, tudo se resume na questão econômica. Ou melhor ainda, no poder
econômico. Há outros dois tipos de poder, o político e o militar. Mas estes
existem em função daquele. Com efeito, o que os manda-chuvas fazem ao mandar
que ponhamos ou tiremos o acento das palavras x, y e Z é exercer seu poder
político. Quando isto não é suficiente, aí está o militar (ou policial-militar)
para garantir seu cumprimento. E em que casos tal decreto tem que ser
obedecido? Quando fazemos concurso para emprego público, por exemplo. Se não o
obedecermos, não somos aprovados e não temos nossa vida econômica garantida.
Nos países de governos autoritários, centralizados, a maior fonte de empregos
são as instituições governamentais. Toda a estrutura está montada com a única
fina-
lidade
de perpetuar os privilégios.
O
exemplo da estudante de letras comentado anteriormente vale a pena ser lembrado
de novo. Apesar de ela ser uma garota moderna e bastante liberal, disse que a
linguagem. dos analfabetos é torta, ou seja, defeituosa, feia, portanto,
precisa ser endireitada. Quando ela disse isso não o estava fazendo por conta
própria. Era a sociedade de classes, ou melhor ainda, era a classe dominante
que estava falando através dela. Ela era um mero porta-voz da ideologia
dominante. O que a escola tem feito é justamente incutir em nós um complexo de
culpa por falarmos “tudo errado”.
As
regrinhas gramaticais são tão alheias à nossa realidade e tão sutis e cheias de
exceções que qualquer pessoa dotada de algum senso crítico se insurge contra
elas. Dizem que Monteiro Lobato não observava várias delas. Pode ser que não o
façamos conscientemente. Inconscientemente, no entanto, todos nós
desrespeitamos tais “regras”. E por quê? Simplesmente porque não respeitam o
óbvio, ou seja, que a língua do povo brasileiro é a língua usada pelo povo
brasileiro.
Ora,
a grande maioria do povo brasileiro está marginalizada do processo
sócio-econômico. E a
língua,
como é natural, reflete este estado de coisas. Não adianta a escola, os
professores de português, os testes de seleção para empregos, para o
vestibular, etc. A maioria do povo não tem acesso a tais privilégios. Ele
simplesmente continua falando como sempre falou. Sua fala evolui, mas sempre no
ritmo da evolução sócio-econômica. Não adianta policiá-la. Já vimos que em
matéria lingúística nada se faz por decreto, malgrado os chefetes
latino-americanos.
Sabemos
que do ponto de vista do nível social podemos detectar pelo menos três estratos
na
língua,
como já salientei no início do presente capítulo. Assim, equivalente à classe
“alta”, temos o nível de linguagem culta (literária, erudita, alta, A);
paralelamente à classe “média”, temos a linguagem média (B); paralelamente à
classe “baixa”, temos a linguagem “popular”, “cabocla” (C). Não sei se infeliz
ou felizmente, mas esta é a realidade brasileira concreta.
A
linguagem A é aquela tida como ideal pela comunidade (não pelos gramáticos)
como um todo. É altamente formal e praticamente não varia de região para
região. Sendo o ideal, pode até nem ser usada por este ou aquele indivíduo. No
entanto, ele terá sempre a consciência de que se quiser falar ou escrever bem
tem que ser “daquela forma”. Trata-se, portanto, de um tipo de linguagem que
ocorre mais na escrita. O nível C é o extremo oposto. É aquela linguagem que a
comunidade como um todo procura evitar por ser denotadora de condição social
“inferior”. Embora eu não concorde com a ideologia que está por trás disso
tudo, tenho que usar essas expressões para me fazer entender. O nível B,
finalmente, é intermediário. É o tipo de linguagem que não compromete nem por
excesso de formalidade (como ocorre com A) nem por excesso de “vulgaridade”
(como ocorre com C). É uma linguagem neutra, como qualquer meio-termo.
Para
ilustrar, vou mostrar como seria formulada uma mesma mensagem em cada um desses
três níveis. Distinguindo entre + e - para, respectivamente, “máximo de
formalidade” e “mínimo de formalidade” (pois cada nível pode ser formal ou
informal), teríamos o seguinte quadro:
A +
Amanhã nós trabalharemos
-
Amanhã nós vamos trabalhar
B +
Amanhã nóis vamos trabalhar
-
Amanhã nóis vamo trabalhá
C +
Amanhã nóis vamo trabaiá
-
Amanhã nóis vai trabaiá
Vê-se
que o típico de A formal é o futuro sintético (trabalharemos) e o de C
“informal” é a presença de “-iá'”" em vez de “lha”. Em B até a ausência do
“r”' de infinitivo é admissível, embora ele possa ocorrer também.
Tendo
em mente o fato óbvio de que a língua do povo brasileiro é a língua usada pelo
povo brasileiro, quem ousaria afirmar que a expressão C- não pertence ao
português brasileiro? Se não é português, então de que língua seria, uma vez
que ela ocorre mais frequentemente do que se poderia pensar? Aí alguém poderia
retrucar, como várias pessoas já me
responderam: “Isso ocorre em português, mas é errado!”. Então devolvo a bola e
pergunto: “O que é erro? É aquilo que foge da norma?” Admitindo isso, posso
continuar perguntando: “quem estabeleceu essa norma? Quem o fez recebeu
procuração dos usuários da língua para isso?” A esta altura dos acontecimentos
o contestador não tem mais argumentos. Nesse caso, em geral acena com
argumentos de autoridade: “Se você não obedecer tais normas você não será
admitido no serviço público, etc., etc.”.
O
fato é que não existe linguagem sem uma comunidade que a use nem comunidade que
não
tenha
uma linguagem que lhe seja específica. Ambas se pressupõem mutuamente. E se a
sociedade é complexa, apresenta desníveis sociais, a linguagem fatalmente
refletirá essa realidade. Não adianta querermos que o caboclo do interior do
Piauí, por exemplo, deixe de dizer “Amanhã nóis vai trabaiá” e passe a dizer
“Amanhã traba- lharemos”. A causa da distância entre sua linguagem e a de
Machado de Assis é econômica. Se alguém quiser que ele passe a falar de modo
mais próximo de A, digamos B+, temos que atacar, em primeiro lugar, a causa. A
mudança de linguagem viria a reboque da mudança sócio-econômica.
Uma
experiência interessante, no âmbito linguístico, seria pegar uma comunidade de
subnutridos do sertão nordestino e ensinar a todos os seus membros o “português
correto” (A+), como desejam aqueles que discordam das ideias aqui apresentadas.
Admitindo que todo mundo passasse a falar de acordo com a gramática, a vida
deles mudaria em alguma coisa? Um caboclo barrigudo pela verminose, doente,
desdentado, envelhecido precocemente, nanico, queimado pelo sol, sujo e
maltrapilho veria alguma melhora em sua vida, sem que nada mais acontecesse no
nível econômico? Aqui fica o desafio.
Há
cinco séculos se vem tentando diminuir a distância entre C e A. Falando de
outro modo, há cinco séculos se vem tentando extirpar aquilo que chamei de
linguagem C em favor da A. Mas
as
tentativas têm sido sempre vãs, pois se tem atacado só o efeito, que é a
própria existência
da
linguagem C. Ora, se determinado modo de proceder se mostra falho o bom senso
aconselha tentar-se outro. Infelizmente os detentores do poder não vêem, ou melhor,
não querem ver isso. Afinal de contas, um povo de barriga cheia e bem informado
é muito exigente.
Na
verdade interessa aos detentores do poder autoeleitos manter a grande massa do
povo analfabeta e desinformada. Assim ela assimila com muito mais facilidade as
propostas demagógicas, populistas e o ufanismo meramente retórico. O analfabeto
desinformado não vai cobrar dos governantes as promessas, as declarações feitas
de público de que tudo mudaria quando fossem eleitos. Além disso, ele não vai
conferir se tudo anda efetivamente bem quando um governante ou seu preposto o
afirma, apesar de ele (o analfabeto) estar na pior. Ele não percebe que
declarações de que o país está “em paz”, trabalha “em ordem” são ocas. Ele
chega a acreditar que isso é verdade. Política é coisa para os outros, os
“dotô”, não para ele. Seu negócio é o seu trabalho, sua roça, se a tiver.
Para
as classes dominantes (e para os gramáticos, seus servidores) a língua é como
as leis. Se existe uma norma é para ser obedecida. Não se pode pô-la em
questão, discutir sua validade, sua legitimidade. Pelo menos os “outros” têm
que obedecê-la. Quanto a nós (os donos do poder), bem... somos nós que fizemos
as leis, portanto cabe a nós interpretá-las e aplicá-las. Quem discordar está
indo “contra a lei”, logo, deve ser punido. Quem não escrever de acordo com as
normas prescritas pelos servidores dos donos do poder (os gramáticos) estará
infringindo as regras da “boa linguagem”, portanto não é aprovado no exame de
seleção que pretende fazer.
Verifica-se,
por conseguinte, que as elites dominantes não tentam ajudar as classes menos
favorecidas a se elevarem sócio-economicamente e, ao mesmo tempo, as espezinha,
caçoa delas, tanto no que se refere à linguagem quanto no que tange ao
comportamento em geral. Assim, o modo de falar do caboclo, do operário urbano,
do favelado, do marginalizado- e do analfabeto em geral é “feio”, “torto”,
“rude”, conseguentemente deve ser “embelezado”, “endireitado”. Entretanto,
querem fazer isso sem tocar no econômico, que para as forças reacionárias
dominantes é outro assunto que nada tem a ver com a'linguagem. Elas são
incapazes de perceber que a cultura de um povo é uma totalidade na qual tudo
está relacionado direta ou indiretamente. Pelo contrário, elas isolam um aspecto
(a língua, por exemplo) e o consideram como se fosse uma ilha. Daí as três
distorções, entre outras.
Um
argumento frequentemente apresentado pelos detentores do poder em favor das
“normas”,
das“regras”
pré-estabelecidas é a “ordem”. Segundo esta concepção, sem obediência a normas
vem o caos, a baderna. Concordo inteiramente com eles no que se refere à
necessidade de normas para orientar 'o comportamento em sociedade. Só discordo
do modo de estabelecê-las.
No
fundo, o conceito de ordem a que se referem os mandatários tem a ver com
estrutura, com
sistema.
Existem dois modos de estruturação ou de relacionamento de elementos de um
todo.
Um
deles é a relação de coordenação, o outro a relação de subordinação. Estes dois
tipos de
estruturação
ou relacionamento existem em qualquer fenômeno social. No caso da língua, temos
a relação de coordenação entre as palavras que formam a frase. Nesta, os
elementos são solidários, complementam-se mutuamente para formar o todo da
frase. Fora da frase, as palavras estão classificadas hierarquicamente em áreas
de significação. É o caso, por exemplo, de “homem”, “mulher”, “rapaz” e “moça”
que estão subordinados a “humano”. Na própria gramática tradicional fala-se em
“período composto por coordenação” e “período composto por subordinação”. No
primeiro caso, as orações estão em condição de igualdade, como mostra, por
exemplo, o período “O menino pula e a menina grita”. No segundo caso, uma das
orações se subordina à outra, depende dela sintaticamente, como ocorre com “A
menina grita se o menino pular”. A segunda oração (se o menino pular) só tem
existência sintática se vier subordinada à primeira.
No
nível político temos exatamente os mesmos tipos de estruturação ou
relacionamento. Num regime democrático de verdade a estrutura de poder resulta
da coordenação da vontade dos diversos segmentos da sociedade. A ordem se
estabelece de baixo para cima, como somatória
ou
média da vontade da maioria. Num regime autoritário, por outro lado, a “ordem”
é imposta de cima para baixo. A estrutura de poder resulta da subordinação da
vontade da maioria mais fraca à de uma minoria que detém o poder econômico,
político e militar nas mãos.
É
claro que a ordem que resulta da coordenação harmoniosa da vontade da maioria
tem mais força, é mais eficaz. No entanto, os donos do poder só vêem a “ordem”
por subordinação. Assim sendo, para eles, à massa ignorante só cabe obedecer
sem contestação as “normas do bom falar” que, naturalmente, foram estabelecidas
por seus prepostos,
os
gramáticos.
Concretamente
o que acontece é que as classes dominantes cometem dois erros. O primeiro deles
consiste em manter a maioria da população marginalizada do processo
sócio-econômico-político. E a finalidade disso é, como vimos, facilitar seu
controle sobre ela, sua perpetuação no poder, é ter um público garantido para o
ufanismo retórico e barato e, finalmente, para a demagogia anti-comunista. O
segundo deles 'consiste em estigmatizar os comportamentos, a linguagem destas
classes marginalizadas. Assim, quem diz “Amanhã nóis vai trabaiá” está
irremediavelmente marcado como gente “sem berço”, “grossa”, “roceira”,
“chucra”, etc.
“Boa
linguagem” é aquela que as classes dominantes e seus lacaios gramaticais
consideram boa. No entanto, afirmam, todo mundo tem liberdade de subir na vida,
de “melhorar” sua linguagem. Na verdade, trata-se de uma liberdade teórica, já
que em geral ninguém das classes marginalizadas tem chances reais de e exercer.
Por exemplo, que possibilidades tem uma família que dorme debaixo da ponte na
cidade grande de “melhorar sua linguagem para subir na vida?”. Só quem tivesse
capacidade para ouvir apenas um tipo de argumento (o das classes dominantes)
acreditaria numa balela dessas.
Devo
acrescentar, no entanto, que ao proceder assim as classes dominantes não estão
agindo com um propósito deliberado de conspirar contra as classes
marginalizadas. Não há, pelo menos quero crer que não, má-fé, um propósito
deliberado de agir com perversidade. Devido à cegueira, à unilateralidade
provocada pela distorção ideológica, elas podem até estar piamente convictas de
que estão agindo certo, “em nome da liberdade democrática”, “da linguagem
correta”, etc. A cegueira e a unilateralidade são provocadas, em primeiro
lugar, pelo desejo de assegurar os privilégios, ainda que inconscientemente. Em
segundo lugar, elas se devem ao eterno pavor ao comunismo, à “baderna” (palavra
de ordem da direita), à “desordem”. E a ordem que interessa é a ordem por
subordinação.
Como
não poderia deixar de ser, tudo isso se reflete na linguagem. Havendo uma
“linguagem correta”, “boa”, praticamente inacessível aos favelados, aos
roceiros e aos analfabetos em geral, fica muito mais fácil para os filhos dos
burguesões conseguir as poucas vagas na universidade, passar nos concursos,
ganhar as bolsas para estudar no exterior. Só eles podem se dar ao luxo de
fazer o ensino médio numa “boa escola” (se possível a americana), “estudar
inglês”, enfim, ter mais experiência cosmopolita. Além do mais, são mais bem
alimentados, têm uma compleicão física “melhor”, são mais “bonitos”. Enfim, são
super-homens frente aos analfabetos nanicos e subnutridos. A conseguência
natural de tudo isso é que os filhos dos donos do poder “sabem mais português”,
escrevem “melhor”, são mais “inteligentes”, pois a melhor referência para se
julgar a “inteligência” de alguém é a linguagem.
A QUESTÃO DA NORMA
Sabe-se
que todo país precisa de uma norma linguística oficial, geral, sem a qual seria
impensável o próprio Estado. Sabe-se também que a língua é um dos componentes da
cultura de um povo, e o mais importante dentre eles. Assim como a cultura em
geral é produzida por esse povo, assim também o é a língua. Em suma, a língua
de um povo é a língua usada por esse povo, como salienta nosso fato óbvio.
A
coisa se complica quando se verifica que a língua usada pelo povo brasileiro
não é um bloco
compacto.
A complicação aumenta ainda mais quando incluímos Portugal, Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau, Cabo Verde e outras regiões do mundo colonizadas por Portugal.
Diante dessa heterogeneidade dialetal, faz-se necessária uma norma oficial
geral a fim de assegurar a intercomunicação entre as diversas regiões e os
diversos segmentos da comunidade de língua portuguesa.
Aqui
vamos nos ater ao português brasileiro, deixando de lado a espinhosa questão
das diferenças lingúísticas entre os diversos países de língua portuguesa. No
entanto, mesmo o português brasileiro é bastante heterogêneo. Temos no seu
interior diferenciações espaciais, temporais e de classe. Assim sendo, o que é
a norma lingúrística brasileira?
Há
no mínimo dois conceitos de norma linguística. Segundo um deles, norma é o
“como se diz”.
De
acordo com o outro, norma é o “como se deveria dizer”. Como não poderia deixar
de ser, a
norma
que o sistema de ensino (gramáticos, professores, escola, etc.) tenta impor é a
segunda, pelo simples fato de o povo (mesmo o culto) não falar nem escrever de
acordo com o que ela prescreve. As gramáticas escolares são frequentemente
chamadas de “gramáticas normativas”. É claro que para nós só interessa o
primeiro conceito de norma, ou seja, aquela que se baseia no “como se diz”. Em
outros termos, o conceito de norma que seguirei aqui consiste na explicitação
das regras subjacentes aos usos lingúísticos dos brasileiros.
Se
levarmos em conta as diversas facetas da língua portuguesa do Brasil,
verificaremos que, na realidade, existem tantas normas quantas forem as
modalidades lingúísticas usadas pelos brasileiros. Assim, teríamos as normas
temporais (medieval, seiscentista e atual), as normas espaciais (mineira,
gaúcha, cearense, carioca, paulista, etc.) e asnormas sociais (culta ou A,
média ou B e popular ou C). Todas elas equivalem ao como se diz em determinadas
circunstâncias.
Como
o que interessa é a norma geral, O problema continua não solucionado. Com
efeito, se
considerarmos
apenas uma delas como sendo a norma geral, estaremos cometendo um erro, uma
distorção inaceitável, pois estaremos tomando uma parte como se fosse o todo.
Sabe-se que o todo só existe nas partes e as partes só existem no todo.
Já
mencionei os dois princípios que podem nortear o estabelecimento da ordem, ou
seja, da
estrutura,
do sistema, da norma. Trata-se do princípio da coordenação e da subordinação.
A imposição de qualquer uma das normas
parciais como se fosse a norma geral poderia ser uma possibilidade.
Efetivamente, as classes dominantes sempre têm tentado impor a norma lusitana
(das gramáticas) como se fosse a norma (ordem) geral brasileira. Portanto, têm
tentado instaurar uma norma por subordinação. Como o descalabro no ensino do
vernáculo tem mostrado (ver o último capítulo), essa norma não “pega”.
O
princípio articulador de uma norma geral efetiva só pode se basear na
coordenação da
tendência
geral. Esta leva em conta o fato óbvio de que partimos e, no plano político
(que está intimamente ligado ao lingúístico), o preceito legal segundo o qual
todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Assim sendo, ao se
estabelecer a norma lingúística geral do Brasil deve-se levar em conta a
linguagem de todo o país, e não privilegiar determinada região, época ou classe
social.
O
chamado projeto NURC (Norma Urbana Culta), de inspiração hispano-americana
(surgiu
originariamente
no México), encerra uma forte dose de arbitrariedade, uma vez que seleciona a
linguagem
de apenas algumas das grandes e tradicionais cidades brasileiras. É um projeto
que
costumo
chamar de natimorto. Dada a lentidão com que está sendo implementado, quando
for terminado já estará defasado, morto. É uma norma estabelecida eminentemente
por subordinação de algumas regiões desprestigiadas às privilegiadas,
logicamente escolhidas pelos executores do projeto obedecendo à risca todas as
distorções comentadas em capítulos
anteriores.
No estágio
atual de desenvolvimento das relações e das forças de produção brasileiras, o
caminho mais viável para se estabelecer a norma geral tendo como diretriz o
princípio da coordenação seria levar em conta a linguagem usada pelas pessoas
cultas do país inteiro. Com isso teríamos uma norma brasileira geral que se
aproximaria muito da das gramáticas (lusitanizante). No entanto, não seria
idêntica.a ela por vários motivos.
Em
primeiro lugar, a norma erudita (lusitanizante) é a que está nas gramáticas e
nos dicionários
oficiais.
Como já tivemos oportunidade de ver, no que se refere à linguagem do povo
brasileiro este tipo de linguagem resulta de um deslocamento de ótica
intolerável. Quando muito poderia ser considerada como a norma do português em
geral (de todos os países). A língua concreta do povo brasileiro, mesmo de seu
segmento mais culto, difere de modo considerável do que tentam nos impingir os
gramáticos. Isso pode ser percebido na morfologia, na síntese, no léxico e em
alguns casos até na fonética.
Em
segundo lugar, sendo a norma erudita altamente elitista, estabelecida por
subordinação, não leva em conta as outras normas. Ora, a norma brasileira geral
aqui proposta já é em certo grau elitista, faz concessões à divisão (injusta)
da socie- dade em classes. Ou seja, ela toma como ponto de partida a linguagem
das pessoas cultas. O que a difere da erudita, que é Iusitanizante, é
justamente o fato de levar em conta a linguagem das pessoas cultas do Brasil, e
não necessariamente a das gramáticas.
Alguém
poderia argumentar que tomar a linguagem só das pessoas cultas como base para
se
estabelecer
a norma brasileira geral também é uma violência, uma imposição de uma parte
como se fosse o todo. Seria também uma distorção inadmissível. O argumento não
deixa de ter suas razões. No entanto, comc o próprio Estado já é uma violência
contra a grande massa do povo, não temos outra saída enquanto ele existir. Além
do mais, temos que levar em consideração que as coisas têm que ser feitas como
o permitem as circunstâncias históricas. A deixar que os gramáticos continuem
nos impingindo uma norma que nada tem a ver com a realidade linguística
concreta do Brasil é melhor estabelecer uma norma mais democrática, com base na
linguagem culta dos brasileiros. Afinal, esta surgiu dentro do próprio
Brasil. Vários fatores a legitimam.
Em
primeiro lugar, apesar de ainda elitista até certo ponto, ela se baseia na
linguagem de brasileiros. Ela surgiu, de qualquer maneira, no contexto das
vicissitudes históricas por que passou a sociedade brasileira. Por conseguinte,
sofre influência, de uma forma ou de outra, das outras normas do português
brasileiro. Relembremos a questão da colocação pronominal, em que a linguagem
mesmo das pessoas cultas difere consideravelmente da de Portugal.
Em
segundo lugar, temos que considerar que o Brasil está inserido num contexto
mais amplo, ele tem intercâmbio de diversos tipos com o mundo inteiro. A
linguagem culta é mais adequada para esse intercâmbio. Com efeito, ela é mais
cosmopolita, aquela em que a comunicação é mais intensa em níveis mais
abstratos, portanto, mais internacional. É a única em que é possível a
veiculação de informações mais sofisticadas, isto é, no contexto da moderna
tecnologia.
Em
terceiro lugar, pelo fato de a veiculação de informações ser mais intensa
justamente nela, é
nela
também que está guardado todo o repositório cultural do povo brasileiro. Todo o
acervo histórico está arquivado na linguagem culta. Portanto, para que não haja
uma transição brusca, é ela que deve ser tomada como norma geral brasileira.
Em
quarto lugar, ela tem mais experiência histórica do que as outras pelo fato de
permitir
um
maior distanciamento em relação ao contexto em que é usada. As outras normas
são muito ligadas diretamente a um contexto determinado e só são eficazes nesse
contexto. Se quisermos manter uma certa unidade do país, ela é a única que o
permite. Ela representa uma força unificadora, padronizadora, enquanto que as
outras normas são sempre mais particularizadoras, individualizadoras.
Em
quinto lugar, devo repetir que no estágio atual de desenvolvimento das relações
de produção e das forças produtivas no Brasil, que são altamente
discriminadoras e elitistas, não há outra possibilidade. Se quisermos uma norma
geral para o Brasil a única alternativa que nos resta, no momento, é
estabelecê-la com base na linguagem das pessoas cultas do Brasil. É a única
viável, pois o que as classes dominantes na verdade querem é a norma erudita
das gramáticas (lusitanizante). A linguagem das pessoas cultas é a que mais se
aproxima da das gramáticas. A diferença entre elas está em que ela abre espaço
para a contribuição brasileira para o acervo da língua portuguesa como um todo.
Reconhece que em contextos diferentes a linguagem sempre é diferente.
Para
se ter uma idéia de quanto a linguagem brasileira pode divergir da das
gramáticas (lusitanizante), gostaria de apresentar brevemente o resultado de
uma pesquisa que um grupo de professores da Universidade de Brasília fez, sob
minha orientação, sobre a colocação pronominal. Investigando a linguagem de
professores universitários em aula, de juízes em julgamento e de parlamentares
em discursos públicos, chegamos aos seguintes resultados (40 horas gravadas em
que ocorreram 1.520 pronomes oblíquos):
próclise
(pronome antes do verbo): 69,8%
ênclise
(pronome após o verbo): 30,0%
mesóclise
(pronome.no meio do verbo): 0,2%
Contrariamente
ao que tentam impor as gramáticas (norma culta lusitana) a preferência no
Brasil, mesmo na linguagem culta, é pela próclise. São fatos como esse que têm
que ser respeitados ao se estabelecer a norma geral brasileira.
Uma
norma que levasse em conta a realidade lingúística brasileira teria a adesão
natural de todos, pois se estabeleceria por coordenação, ou seja,
cooperativamente, pelo menos até certo
ponto. Questões incômodas como a do “certo” e
do “errado” desapareceriam como que por encanto. Ela seria a linguagem que todo
brasileiro desejaria dominar a fim de “vencer na vida”. O ensino do vernáculo
para os caboclos e os favelados deixaria de ser “endireitar a linguagem deles”.
Sumariando,
temos então uma norma lingúística geral da língua portuguesa, que chamei de
erudita. Dentro de cada país há normas especiais. Assim, no Brasil temos as
normas espaciais gaúcha, mineira, carioca, etc.; as normas temporais colonial,
imperial, atual, etc.; as normas “sociais” (de nível, de classe) culta, média e
popular (A, Be C, respectivamente). A norma popular seria a do caboclo, do
favelado urbano e dos analfabetos em geral. A média seria aquela que a classe
média usa. Por mais cultos que sejamos, sempre usamos uma linguagem desse tipo
em casa, com os amigos e em diversas outras circunstâncias. A norma culta, que
ainda está por ser definida, seria aquela que as pessoas cultas usam em
circunstâncias formais. É o caso já citado de professores em aula, de juízes no
tribunal, de deputados e senadores no parlamento e, finalmente, a linguagem em
que todos eles escrevem, embora na escrita assumam amiúde uma postura
extremamente formal e empreguem uma linguagem lusitanizante (erudita,
gramatiqueira), devido ao que lhes disse a escola.
Estou
convencido de que o importante é o reconhecimento dessas diversas normas e de
que
cada
uma delas é válida no ambiente em que surgiu. Assim, a norma mais adequada à
sociedade cabocla é a norma popular cabocla. A norma mais adequada em ambientes
formais é a culta, por mais generalizante. Exigir a norma de um contexto em
outro é provocar uma distorção inaceitável. Afinal de contas, uma linguagem só
existe em função de uma comunidade e esta só sobrevive se tiver uma linguagem
que lhe seja específica.
Se
quisermos que todos os segmentos da sociedade brasileira dominem a linguagem
culta, temos que atacar as causas. Temos que acabar com as injustiças na
distribuição da renda, temos que acabar com a miséria do povo. A língua é o
reflexo da sociedade em que é usada. Se esta for rica, economicamente forte, a
língua será necessaria- mente complexa e sofisticada. Se for pobre, de
desnutridos e subnutridos, a língua será simples, sem grandes pretensões à
universalidade, embora isso não signifique que ela seja deformada, feia, torta
e que, portanto, deva ser endireitada. Não, ela será simplesmente um meio de
comunicação de uma sociedade em determinado estágio de seu desenvolvimento. Não
será nem feia nem bela,
mas
simplesmente a sua linguagem. O ser humano é antes de tudo corpo físico,
natureza. Como tal precisa, em primeiro lugar, se alimentar. Só depois do
estômago cheio é que ele pode pensar em cultura. Uma comunidade de famintos
nordestinos do sertão falando um portu- guês escorreito, de acordo com o que
preceituam as gramáticas seria altamente curioso. Ou melhor dizendo, seria
ridículo, simplesmente por ir contra tudo que se sabe sobre as relações entre
comunidade e linguagem.
Para
as classes dominantes, que estão numa boa, falar nesses termos é subversão.
Realmente, se falar a verdade for subversão, se não aceitar tapar o sol com a
peneira for subversão, então prefiro ser subversivo. Desejo ver subvertida a
“ordem” em que milhões de brasileiros estão à margem do processo produtivo.
Desejo que todos tenham casa, comida e emprego. Desejo que ninguém viva com
medo dos serviços “de segurança” (da elite), dos órgãos de informação e
repressão. Em suma, que todos possam viver com dignidade e não numa situação
neurotizante. Assim, todos teriam acesso à linguagem culta, todos leriam
jornais, se informariam e a norma culta viria de lambuja. A ordem se
estabeleceria por coordenação geral de esforços. Sei que isto é um sonho, mas
como disse John
Lennon,
prefiro continuar sonhando.
Intimamente
ligada a tudo isso está a questão da “correção” (do certo e do errado). Já fiz
referência a ela em várias oportunidades. Aqui eu gostaria de desenvolvê-la com
mais pormenor.
Antes
de mais nada o que é “ser certo” e “ser errado”? É aquilo que desvia de um
padrão estabelecido? Mas aí surge de novo a questão da norma. Quem estabelece a
norma? No caso da língua, os gramáticos ou os usuários?
Já
mostrei em parágrafos anteriores e, praticamente, em todo o livro, que quem
estabelece a norma, o padrão são os usuários. Assim ela se estabeleceria
democraticamente, como coordenação dos interesses comuns. Se aceitarmos a idéia
de que em matéria de língua a palavra está com o gramático, estaremos admitindo
o estabelecimento de uma norma de cima para baixo, pela subordinação do
interesse geral aos caprichos do gramático, que é um instrumento do sistema
dominante (da elite).
Verifica-se,
portanto, que num caso como o nosso é injusto, é ilegítimo, é uma distorção
mesmo considerar determinada construção como errada mesmo que todo mundo a
empregue. Se os gramáticos dizem que ela está errada, pior para eles.
Um
professor universitário de língua portuguesa chegou ao cúmulo de me dizer que a
construção “Ela quer me ver” é errada. O certo, disse ele, é “Ela quer ver-me”.
Pois bem, na pesquisa sobre a colocação pronominal a que já me referi, de 232
casos, 145 (62%) foram de próclise ao segundo verbo (Ela quer me ver), contra
65 (28%) de próclise ao primeiro verbo (Ela me quer ver) e apenas 22 (10%) de
ênclise ao segundo verbo (Ela quer ver-me). Isso apesar de, como vimos,
tratar-se da linguagem de pessoas cultas. Então, que legitimidade existe no
julgamento do referido professor? É só o argumento de autoridade.
Para
salientar o quanto são relativos os conceitos de norma (certo) e desvio
(errado), basta lembrarmos alguns fatos sobejamente conhecidos dos
antropólogos. Sabe-se que a fidelidade conjugal é obrigatória em nossa cultura,
sendo o adultério punível. Pois bem, em outras culturas, o anfitrião oferece a
esposa para dormir com o hóspede. Se este recusar estará ofendendo-o. Portanto,
em contextos como esses, a norma (certo) é aquilo que para nós seria um desvio.
Os exemplos abundam em diversas partes do mundo.
Na
língua, que é também um fenômeno sócio-cultural, as coisas não são diferentes.
Já que a comunidade brasileira (para deixar de lado a lusitana, a angolana,
etc.) apresenta diversas facetas, a língua falada por ela reflete necessaria-
mente essa diversidade. Assim, não se pode dizer que o caboclo fala errado, em
sua comunidade. Ele fala diferente porque seu contexto sócio-econômico é
diferente. Sua linguagem resultou de uma evolução natural de determinado segmento
da comunidade sociolinguística brasileira.
É
verdade que não podemos aceitar uma frase como “Amanhã nóis vai trabaiá” num
ofício nem num discurso parlamentar (se bem que o deputado Mário Juruna fale
quase assim; no entanto deve-se observar que da perspectiva da língua ele é
exatamente como qualquer estrangeiro). A recíproca também é verdadeira. O
caboclo não pode aceitar que um gramático reacionário e pedante chegue a ele em
sua própria comunidade e lhe diga: “Você está falando tudo errado! Mude sua
linguagem! O certo é 'Amanhã nós trabalharemos!”. Se alguém se atrever a fazer
isso cairá no ridículo. Em conso- nância com o óbvio, a linguagem mais adequada
à comunidade do caboclo é a linguagem criada e usada por ele. Pretender o
contrário é querer nadar contra a corrente.
A
língua de uma comunidade é um código que serve como veículo para o envio e a
recepção de informações entre seus membros. Este código contém em si subcódigos
(semântico, sintático, morfológico e fonológico). Partindo daí ouso afirmar que
o caboclo não erra. Ele fala sempre de acordo com o código de sua comunidade.
Quem erra são os eruditos, contrariamente ao que sempre martelaram em nossos
ouvidos. Vejamos dois exemplos.
Na
tradução de um livro de um filósofo checo, usa-se o substantivo abstrato
“concreticidade”. Ora, o sufixo “icidade” só pode combinar com adjetivos
terminados em “ico”, como “elétrico/eletricidade”. Portanto, ao usar o termo
“concreticidade” os tradutores (presumivelmente cultos) cometeram um erro,
desrespeitaram o subcódigo morfológico português.
Mas,
o exemplo que mais me chamou a atenção foi o praticado por um humanista,
figurão entre os helenistas e latinistas. No título de um livro publicado por
ele (pela editora de uma das maiores universidades brasileiras) aparece o termo
“comple- mentariedade”. Pois bem, a terminação “iedade” só se acrescenta a
adjetivos terminados em “ário” (contrário/contrariedade). Logo, a forma
prevista pelo subcódigo morfológico português é “complementaridade””, como
ocorre com “singular/singularidade”. O que o referido figurão fez foi um erro,
uma infração contra a morfologia do português. Eu sei que alguém
contra-argumentaria dizendo que o dicionário (o Aurélio) registra
“complementário”. Mas isso não me interessa. O que me interessa é o que é
usado, mesmo que pelas pessoas cultas.
Assim,
chegamos a uma situação paradoxal. O caboclo analfabeto não infringe seu código
de comunicação. Quem erra são as pessoas cultas, para escândalo dos gramáticos
e até do leitor, com quase toda certeza. Por quê? Simplesmente porque seus
modelos são as línguas estrangeiras, O latim, o grego, a linguagem do passado,
enfim, seus modelos estão sempre fora da realidade lingúística brasileira. Hoje
é muito comum vermos termos do inglês “traduzidos” literalmente para o
português. Para essas pessoas o português existe para traduzir o inglês e não
para servir de meio de comunicação entre os brasileiros.
Quando
se fala em norma, logo surgem os juízes para nos dizer que “assim é errado” e
que “o certo é assado”. Em seguida vêm os policiais para zelar pelo cumprimento
do “certo”, prendendo quem pratica algum “erro”. Ou seja, vêm os aplicadores de
testes de seleção que excluem quem não escreve “certo” como candidato a um
emprego, à universidade, etc.
A
esta altura dos acontecimentos eu gostaria de dizer com toda a franqueza e
sinceridade que me sinto muito inseguro sobre o que é “certo” e o que é
“errado”. Só os policiais da linguagem têm certeza absoluta sobre a “correção”,
sobre a “boa linguagem”. Assim sendo, minha intenção não é apresentar um
receituário infalível de “como se deve escrever”. Pelo contrário, o princípio
que norteia toda a minha argumentação é uma preocupação constante com a
realidade concreta. Mas, como todo mundo que labuta nesta área, também eu estou
entre dois fogos. De um lado está a “norma” imposta pelas classes dominantes,
por subordinação do interesse geral à vontade de seus prepostos gramaticais. De
outro, a realidade concreta, a linguagem real do povo brasileiro, inevitável.
Diante
dessas duas normas, a oficial, subordinadora, e a real, coordenadora, gostaria
de dizer que não sei exatamente como tem que ser. Eu só sei como não deve ser,
por ser irrealista, alienado da realidade e por não vir surtindo efeito há já
quinhentos anos. Afinal, todos nós sabemos disso. Portanto, minha intenção foi
apenas a de apresentar algumas reflexões sobre esta questão, que é tão
importante que dela dependem mais de 130 milhões de brasileiros.
A QUESTÃO DO
ENSINO
Já
salientei em capítulos anteriores o fato de as bibliotecas, os jornais e os
textos escritos em geral estarem vazados numa linguagem culta. É nesta
linguagem que se processa todo o ensino do vernáculo. É ela que é cobrada de
todo candidato a uma vaga na universidade, a um emprego público e até em
algumas grandes empresas particulares.
Diante
desse quadro não há como negar que no atual estágio de desenvolvimento da
sociedade brasileira a norma que se deve ensinar na escola é a culta. Ela é a
linguagem mais próxima das classes dominantes. Assim sendo, não levá-la ao
aluno é não lhe dar as armas para lutar contra elas. Ele fica diminuído,
impotente diante das elites por não dispor dos mesmos recursos de expressão e
comunicação que elas. No entanto, nunca se deve esquecer que em primeiro lugar
vem o estômago. Uma criança faminta não tem o menor desejo (nem forças) para
aprender uma linguagem culta.
A
questão fundamental é: Como levar a norma culta brasileira (pressupondo-se que
ela já esteja definida, o que ainda não é o caso) ao aluno? Alguns (a maioria)
têm tentado impingir a norma lusitanizante na marra desde os primeiros estágios
do aprendizado. Outros têm assumido uma postura de demagogia barata e
considerado que o importante é se comunicar (“Quem não se comunica se
trumbica”, disse o Chacrinha). E aqui temos levantadas duas questões básicas
para todo o ensino/aprendizagem da língua nacional.
A
segunda atitude está evidentemente equivocada. Com efeito, já a refutei no
segundo parágrafo (e em outros também) do presente capítulo. Em outras
palavras, quem não leva a linguagem culta aos aprendizes está fazendo o jogo
dos dominadores. Quem assim procede deixa o povo na ignorância de um dos
recursos de que eles dispõem para oprimi-lo e discriminá-lo. Assim, chegamos à
conclusão de que este caminho deve ser evitado a todo custo. Só que, como já
sugeri, não devemos fazer do aprendizado da norma culta uma neurose. Há
caminhos mais tortuosos e caminhos menos tortuosos para se chegar ao mesmo
lugar.
Quando
se leva a norma culta a qualquer custo desde os primeiros estágios do
aprendizado o que acontece é que os filhos das classes oprimidas,
desfavorecidas economicamente, fracassam. Logo, conclui-se, eles são menos
inteligentes do que os outros, são burros, não têm criatividade. Assim, o
maniqueísmo está estabelecido: os filhos dos ricos são “gênios” e os dos pobres
são “burros”.
Sabemos
que há dois tipos de “gênios”, ou seja, os produtivos e os reprodutivos.
Produtivos são aqueles que “criam” novidades, enquanto que “gênios”
reprodutivos são aqueles que assimilam bem idéias de outros e as transmitem
fielmente. Pois bem, nem este tipo menor de “gênio”, que é o reprodutivo, os
filhos dos favelados e dos roceiros conseguem ser. Vê-se, portanto, que a
linguagem é um instrumento de dominação. Assim sendo, o que vou mostrar
doravante é que os filhos dos dominantes não são tão inteligentes e criativos
como se pensa nem as crianças oriundas das classes marginalizadas são burras.
É
claro que existe a questão do QI, se bem que os testes de avaliação do
quociente de inteligência podem ser postos em causa. Além do mais, devemos
levar em consideração também que se o cérebro fica danificado na primeira
infância por falta de alimentação ou por alimentação insuficiente temos um
problema irremediável. Mas mesmo neste caso o aprendizado lingúístico pode ser
feito até certo ponto. Em suma, a inteligência, a criatividade é uma questão
relativa.
Eu
costumo dizer aos meus alunos que detesto gênios e figurões, que prefiro lidar
com pessoas comuns. É claro que se trata de frases de efeito. No fundo, não
obstante, não deixam de revelar minha posição em relação à questão da
inteligência, da capacidade, da criatividade e da fama. Alguém disse que a
criação tem 80% de transpiração e 20% de inspiração. Eu elevaria a transpiração
a 90%, deixando apenas 10% para a inspiração. Em suma, estou convicto de que a
criatividade não é algo nebuloso, sobrenatural, só acessível a uns poucos
eleitos.
A
criatividade a que me refiro está no plano terreno, não tem nada de
sobrenatural. Portanto, qualquer pessoa que não tenha o cérebro danificado, e
talvez até mesmo estas, pode chegar a fazer redações razoavelmente boas.
Vou
começar citando quatro fatos que servirão de ilustração para tudo que vier
posteriormente. O primeiro se passou numa escola da Ceilândia (cidade-satélite
de Brasília). A secretária de educação do Distrito Federal iria visitar a
escola. Então, um grupo de professores da área de comunicação e expressão
preparou com os alunos alguns cartazes que ficariam expostos nos corredores da
escola por onde a autoridade passaria. Os cartazes eram engenhosíssimos, com
figuras dialogando (as falas em balões), como nas revistas em quadrinhos. Ao
ver os cartazes expostos, a diretora exclamou: “Pelo amor de Deus, tirem isso
daí, está tudo eivado de erros de português! O que é que a secretária não vai
pensar do nível de nossa escola!?”.
Em
segundo lugar, gostaria de relatar o caso de uma professora de inglês do
Paraná. Ela terminou todos os créditos necessários para o mestrado em língua
inglesa. Quando chegou a hora de redigir a dissertação ela entrou em pânico,
pois sabia que era incapaz de escrever três linhas consecutivas com um certo
encadeamento lógico. No entanto, deve-se observar que oralmente ela discutia
sobre o tema escolhido, salientando pontos complexos, controversos, enfim,
argumentava, contra-argumentava e encadeava os argumentos numa lógica a toda
prova. A conclusão necessária que tiramos desse caso é que ela estava (e ainda
está) bloqueada para o desempenho escrito. Quem sabe se com uma terapia
adequada ela pudesse vir a escrever relativamente bem!
O
terceiro caso é o meu próprio. Quando estava no segundo ou terceiro ano
ginasial, ouvira da professora de história que Catão fora um homem austero, que
na Roma decadente lutava para reviver os antigos hábitos. Por isso, disse ela,
surgiu o adjetivo “catônico”, significando justamente austero, vitoriano,
diríamos hoje. Pois bem, na primeira redação que tive que fazer para a
professora de português eu empreguei o advérbio “'catonicamente”, inteiramente
possível diante da existência do adjetivo. Qual não foi minha surpresa ao ouvir
da professora na entrega das redações: “Quer dizer que o senhor Hildo agora é
um criador de palavras novas! Não bastam Alencar, Camões e Eça de Queirós!”. Eu
me enrubesci todo e me encolhi no meu canto. No fundo, porém, alguma coisa me
dizia que eu não estava errado. A certeza veio só mais tarde, quando cheguei à
universidade e obtive mais informações. Aí eu me insurgi e dei o grito de liberdade.
O
quarto caso refere-se a um colega de turma, que compartilhava comigo a timidez
na interiorana Patos de Minas de fins dos anos cinquenta. Devido em parte à
mesma professora, ele se considerava burro, incapaz de aprender seja lá o que
fosse. A coisa chegou ao ponto de, num teste de seleção para trabalhar em um
banco em Belo Horizonte, ele tomar calmantes, pois “precisava daquele emprego”.
Acabou ficando sonolento, chegando mesmo a dormir durante a prova. Pôde apenas
ouvir do aplicador da prova que “filhinhos de papai que passam a noite na farra
vêm aqui tomar o tempo da gente”. Para o meu amigo foi a prova cabal e
irrefutável de que era burro mesmo. Alguns anos depois, recebi uma carta sua,
de Berlim, dizendo que passara em três exames vestibulares, e ainda ganhara uma
bolsa para estudar eletrônica na Alemanha. Tirou o primeiro lugar ao final do
curso na universidade berlinense e foi convidado para trabalhar na Siemens em
Munique. Depois trabalhou na ITA (São José dos Campos), montou sistemas de telecomunicações
que se mostraram altamente eficazes na prática. Hoje ele abandonou tudo e está
lidando com uma fazenda perto de Goiânia e outra no Xingu, numa atitude
inesperada, típica de “gênios”. Também ele conseguiu dar seu grito do Ipiranga.
Pode
parecer que carreguei demais nos pormeno-
res.
No entanto, eles mostram o que não se deve
fazer
em termos de ensino ou, então, que nem todo
mundo
que consideramos burro realmente o é.
O
exemplo da diretora de escola da Ceilândia ilustra à postura da escola
brasileira e dos administradores em geral. Eles levam até as últimas conse-
quências o fato de que o sistema precede o indivíduo. Ou seja, eles se
preocupam apenas com a forma, com a aparência. A preocupação da nossa diretora
eram os “erros” de ortografia, os s trocados por z, os x trocados por ch e
vice-versa. A mensagem real, dramática ali contida não importava. O conteúdo, a
essência não era o mais relevante. É bem verdade que não há forma sem conteúdo
nem
conteúdo sem forma. Entretanto, geneticamente o conteúdo precede a forma, ele
está mais próximo da matéria. E a forma é apenas uma idéia depreendida a partir
da matéria, não o contrário. Em suma, nossa diretora estava preocupada com a
aparência, não com a essência. Esta pode ser extremamente desagradável em um
sistema autoritário e injusto.
Deve-se
acrescentar que o sistema no caso é imposto de cima para baixo, por
subordinação a
partir
de uma central geradora de “português correto”. Mais especificamente falando,
trata-se de uma norma elitizante, do como se deve falar e nãe do como se fala.
Português correto é aquele que 08 servidores das classes dominantes assim
consideram. Em geral ele é determinado em função do português lusitano. A
língua dos brasileiros não é, segundo essa concepção, a usada pelos
brasileiros, mas a que eles deveriam usar. Ou então, a de talvez 0,5% dos
brasileiros.
Ora,
como o pobre aluno pode redigir bem se querem que escreva numa linguagem que
não é à sua? Aí está uma das grandes (se não a maior) causas do descalabro em
que se encontra a redação escolar.
Redigir
é uma das habilidades linguísticas. A ordem é ouvir, falar, ler e escrever. No
caso da professora de inglês do Paraná, quase todas elas estavam desenvolvidas
plenamente. Só a última, que é derivada da segunda, estava bloqueada. Ou seja,
ela não redige bem não por falta de inteligência, por ser burra, mas porque
alguém criou um trauma nela durante a sua aprendizagem, Esse trauma foi causado
por mentalidades como a da nossa diretora de escola da Ceilândia.
O
ser humano é eminentemente social. A função da escola é continuar a sua
socialização, iniciada no lar. Portanto, formar alguém é fazer sua cabeça, é
lhe dar formas, como a própria palavra já o diz, Mas, isso deve ser feito sem
distorções. Não se pode esquecer que se o conteúdo só existe em função da
forma, esta só existe em função daquele.
Educar é adaptar o indivíduo a padrões
pré-existentes. No entanto, o indivíduo pode agir sobre os padrões. Estes não
são eternos, imutáveis. Só pensam assim aqueles que querem impor um
padrão
ilegítimo, porque nascido de uma minoria, como padrão geral. Tanto não é
legítimo este
tipo
de padrão que o indivíduo vê certas colocações pronominais, certas regências e
concordâncias como algo estranho e hostil que querem lhe impor. Não fazem parte
de sua linguagem.
A
língua é produto do trabalho humano como outro qualquer. Sempre que as relações
de produção se transformam, transformam-se também a língua e todos os outros códigos
sociais e culturais. Exigir do aluno formas que só existem em Portugal é dar
mostras de um reacionarismo sem tamanho, além de ser mais um obstáculo formal
que se lhe antepõe na produção de textos. Expressar-se bem é pôr para fora, na
medida em que isso é possível,mexatamente o que se quer pôr.
Aqui
vem à baila outra questão de interesse. Nos últimos tempos tem-se dado ênfase à
comunicação (cf. a frase de Chacrinha citada acima!), não à expressão. Ora,
como o próprio termo já mostra, comunicar-se é tornar-se comum, é igualar-se, é
massificar-se. Ou seja, é justamente o que interessa aos ditadores e chefetes
de que a América Latina
está
repleta.
Produzir
textos é como produzir qualquer outra mercadoria. Pressupõe o conhecimento das
técnicas e dos instrumentos de produção. No entanto, os instrumentos e as
técnicas de produção de textos, ou seja, Os signos, as palavras e as regras
para o seu uso, são interiores, não exteriores ao homem, como acontece com os
instrumentos de produção de mercadorias. Segue-se que produzir textos é
exteriorizar conteúdos.
Sabe-se
que só se exterioriza o que já foi interiorizado. De onde nada existe nada sai.
Portanto, só se pode pedir ao aluno que escreva sobre um assunto que ele
conheça. Quando o professor
entra
na sala de aula e diz: “Hoje vocês vão fazer uma redação sobre a liberdade”, o
resultado é fatalmente catastrófico. O aluno pode nunca ter pensado
conscientemente e racionalmente sobre o assunto. É claro que todos nós temos
uma vaga noção do que seja estar livre e estar acorrentado ou trancafiado no
xadrez. Mas daí a sermos capazes de dissertar sobre a liberdade abstratamente
vai uma grande diferença. Agir assim é transformar uma atividade que poderia
ser agradável em algo extremamente penoso e chato.
Aqui
seria interessante falar um pouco sobre o conhecimento. Sabe-se que ele é uma
relação entre um sujeito que conhece e um objeto conhecido. Este se reflete no
cérebro humano através dos órgãos dos sentidos. Nessa fase tem-se o conhecimento sensorial. Quando, porém, o contato do sujeito com o objeto começa a se
repetir, ocorre um salto qualitativo e o conhecimento se transforma em
conhecimento racional. Essa é a primeira etapa do processo de conhecimento e é
ainda eminentemente individual, embora se deva lembrar que o indivíduo é um
produto social. Numa segunda etapa, aplica-se o conhecimento adquirido à práxis
social a fim de testá-lo quanto à sua validade. Ou seja, o processo de
conhecimento é necessariamente dialético. Primeiro há uma passagem do objeto ao
sujeito via sentidos e, em seguida, uma volta do sujeito (consciente) ao
objeto, momento em que o social se adequa ao individual e o individual ao
social.
Pois
bem, se o aluno não domina nem o primeiro momento da primeira etapa ainda
(conhecimento sensorial), isto é, se nunca experimentou o objeto em questão,
como é que pode falar sobre o mesmo? Qualquer pessoa só será capaz de produzir
um texto coerente sobre um assunto que domine não só sensorial e racionalmente,
mas também se já o tiver testado ela própria, pois só assim estará em condições
de encará-lo criticamente. Quando o professor chega à sala de aula e solicita
uma reda- ção só porque não preparou a aula do dia está cometendo um crime
contra o ensino.
Mesmo
que o aluno já tenha o conteúdo interiorizado, ainda não temos garantia de um
bom texto. Com efeito, o conteúdo concebido é pluridimensional, atemporal e
inespacial. Para transformá-lo em algo transmissível (texto) é necessário
unidimensionalizá-lo, linearizá-lo (cf. as linhas da escrita!). E aí está toda
a luta pela expressão. Se até os maiores estilistas da língua têm suas
angústias expressionais, que dizer do iniciante! Não criemos traumas nele.
Devemos lhe dar conteúdos, informações diversas e, depois, treiná-lo para
expressar esses conteúdos, ou seja, para unidimensionalizá-los.
Esse
treinamento é como qualquer outro. Assim como só podemos ser bons datilógrafos
observando alguém datilografando e depois fazendo-o nós mesmos, do mesmo modo
só aprendemos a produzir bons textos lendo quem já escreveu antes de nós e
tentando escrever nós mesmos, pressupondo-se, obviamente, que conheçamos o
assunto. Manuais de redação, técnicas de redação, como redigir bem e quejandos
são sempre inócuos, ineficazes. Partir deles é simplesmente inverter o processo
natural, pois com isso se dá precedência à forma, e não ao conteúdo. Coloca-se
o carro diante dos bois. Transforma-se algo que devia ser agradável em uma chatice,
já que a forma, o sistema, o formalismo sempre coíbe a liberdade individual. Em
vez de o aluno dominar o texto, é este que domina o aluno. Por fim, não se pode
esquecer que alguém só pode produzir intelectualmente se se sente à vontade.
Num ambiente constrangedor, humilhante, como o que eu e meu colega tivemos em
Patos de Minas ninguém conseguirá produzir um bom texto. Por conseguinte, será
considerado por si mesmo e pelos outros como burro,
O
sentir-se à vontade funciona até no caso de línguas estrangeiras. Pessoas de
diversas nacionalidades me confessaram na Alemanha que só conseguiam falar bem
o alemão quando se sentiam à vontade diante do interlocutor. Se este lhes era
simpático, elas falavam fluentemente; se não era, as palavras não saíam, gaguejavam,
etc.
Desde
a época em que eu trabalhava no ensino médio tenho notado que alunos que fazem
redações “péssimas” na aula de português redigem relativamente bem no
jornalzinho dos estudantes. As vezes escrevem até poesias e contos. Mas, o que
mais me chamou a atenção foi um professor universitário que nunca tinha escrito
nada na vida. Quando se viu alçado na posição de reitor de uma universidade do
interior, produziu textos muito interessantes para a revista local. Isso só foi
possível porque ele se sentiu a cavaleiro da situação.
Diante
de tudo isso podemos perguntar: Como é que um aluno tímido, às vezes com fome,
preocu- pado com os problemas domésticos, com as brigas dos pais, com o
professor que irá corrigir s, Z, x e ch e, quem sabe, até criticá-lo ironicamente,
ridicularizando-o, poderá produzir um bom texto sobre a liberdade? É
humanamente impossível. Toda sua energia e toda sua atenção estão voltadas para
outros problemas que não o texto que lhe foi pedido, além de, possivelmente,
não ter pensado no assunto criticamente. Mas, como ele não tem consciência
disso, passará a se considerar incapaz de fazer redação, de escrever bem, e o
português será uma matéria chata, Ponto final!
Para
mim, não é necessário ser gênio para ser capaz de produzir bons textos. Pelo
contrário,
qualquer
pessoa capaz de justificar que não é culpada de um fato qualquer dando causas,
razões, pode chegar a redigir razoavelmente bem. Assim sendo, passo a dar
algumas sugestões e a relatar uma experiência por mim vivida.
O
fato é que alguém só pode produzir um texto se tiver um conteúdo a transmitir.
O grande pro-
blema
em muitas redações sobre a liberdade é que o aluno nunca refletiu a respeito
dela, como já vimos. Mesmo que já o tenha feito, fê-lo assistematicamente. Como
a redação tem que ter uma seguência lógica, ele não consegue fazê-la bem. Estou
certo de que todo professor de português já ouviu de alunos que vão entregar
suas redações as seguintes perguntas: “Até aqui tá bom?”, “Se o senhor quiser
eu escrevo mais algumas linhas”, “Quantas linhas o senhor quer?”, “Uma página
basta?”, Em outros termos, dados os vícios que o sistema escolar impingiu
neles, a preocupação não é se já expressaram tudo que tinham que expressar, se
já deram seu recado. Sua atenção está voltada é para a forma.
Forma
no caso é um tipo de metalinguagem, isto é, a linguagem que se usa para falar
da própria linguagem. Ora, sabe-se que o objetivo no aprendi- zado de qualquer
língua, não só da materna, é aprender a usá-la, a falá-la, não a falar sobre
ela. A metalinguagem deve ser preocupação do professor, não do aluno.
Para
evitar distorções como as mencionadas, sugiro que se comece com historinhas.
Estas o
aluno
já tem completas na cabeça, com início, meio e fim. Assim, uma preocupação já
fica posta de lado, ou seja, ele não precisa se concentrar na forma
(“introdução”, “desenvolvimento” e “conclusão”). Na historinha, conteúdo e
forma fazem parte da mesma realidade, são faces da mesma moeda. Se ele fica
aliviado de uma preocupação (com a forma), já temos um passo andado na direção
de uma eficiência na produção de textos. Após dominar a redação de historinhas,
pode-se passar para outras modalidades de textos. Um exemplo para a etapa
seguinte seria a descrição de cenas presenciadas por ele. Trata-se de um tipo
de texto bem mais difícil. Porém, ainda está ligado à realidade concreta, e
assim ainda é menos difícil do que a etapa seguinte.
Em
seguida, pode-se passar para a produção de textos dissertativos,
inclusive sobre a liberdade. Entretanto, nunca se esquecendo de que primeiro se
deve verificar se o aluno tem conhecimento não só sensorial e racional do
assunto. Deve estar em condições de voltar-se criticamente sobre ele, com o
fito de dissecá-lo e expô-lo coerentemente, sem
distorcer
os fatos.
Nunca
se deve corrigir “os erros de português”, pelo menos nos estágios iniciais. Se
o aluno sabe que não vai ser “corrigido”, ele se sentirá mais à vontade, e com
isso sua atenção se concentrará no conteúdo. A forma virá, como já disse, de
lambujem. De resto, para que perder o professor um tempo preciosíssimo à cata
de s, Z, x e ch bem como de algumas concordâncias e regências, se O aluno chega
em casa e joga a redação corrigida" no cesto de lixo? É um trabalho
inútil. Este tempo pode ser: aproveitado para bolar atividades mais eficientes
e que tornem o ensino menos penoso.
Quando
era professor de português para quintas séries eu costumava solicitar uma
redação para casa “todos os dias. Em geral o tema ficava a critério do aluno.
Em classe eu pedia a uns três ou quatro que lessem seu texto para a turma.
Todos o faziam de bom grado. Eu não corrigia absolutamente nada. Apenas anotava
quem não trouxera a tarefa. A fim de que não ficassem de todo sem escrever o
português das gramáticas, eu pedia, também todo dia, que copiassem em casa uma
meia página de caderno de um texto escrito qualquer: romances, livros de
ciências, enciclopédias, artigos assinados de jornal, livros de outras
disciplinas, etc. E a coisa funcionava. Todos gostavam da disciplina língua
portuguesa. Todos participavam com muito entusiasmo, chegando até mesmo a haver
uma rivalidade interna, mas uma rivalidade construtiva. Cada um queria fazer um
texto melhor do que o outro. Afinal, não é isso que todo professor de português
gostaria de ver em seus alunos?
Até
a gramática pode se tornar menos árida. Após uma aula sobre o grau dos
substantivos,
solicitei
uma redação com o título de “No mundo do pequenininho e do grandalhão”,
acrescentando que nesse mundo tudo era pequeno demais ou grande demais. Pois
bem, surgiram histórias engraçadíssimas e engenhosíssimas. Isso porque já
estavam altamente motivados. Escreviam com prazer e procuravam fazê-lo bem a
fim de mostrar para a turma a sua capacidade.
A
tarefa do professor não é fácil. No entanto, com um pouco de imaginação, uma
orientação teórica segura e muita transpiração, pode-se conseguir resultados
altamente 'compensadores. E imaginação só pode ter quem não perde horas e horas
a fio riscando de vermelho centenas de redações cujo destino é o cesto de lixo.
Imaginação também pode ser treinada. Mas, para isso é necessário ter-se tempo.
Uma
orientação teórica segura também requer tempo. Ninguém consegue encontrar uma
postura filosófica em relação à educação, em geral, e ao ensino de redação, em
particular, se é um caçador de “erros de português”. Deixemos que o aluno
descubra por contá própria a ortografia “correta” através das cópias,
indevidamente consideradas ultrapassadas hoje em dia. A postura filosófica é
indispensável. Porém, o que é uma orientação teórica segura? É aquela que não
falseia a realidade, aquela que parte dos dados para em seguida voltar a eles
enriquecida pela teoria. É aquela que não resulta de distorções como as que
discutimos nos capítulos anteriores. Afinal de contas, a solução dos problemas
práticos está na teoria e a solução dos problemas teóricos está na prática. E
isso não pode ser atingido com uma teoria que encara omprocesso de aprendizagem
de maneira unidirecionale, consegientemente, distorcido.
Para
terminar, gostaria de frisar mais uma vez que grande parte dos problemas
comentados (bem como dos milhares de outros que nem mencionei) desapareceria se
já tivéssemos definido a norma culta brasileira como sugerido no capítulo
anterior. Se ela já estivesse definida tais problemas inexistiriam, pelo menos
para a pequena minoria que consegue terminar os estudos. Isto porque uma norma
culta estabelecida naqueles termos, ou seja, por coordenação das tendências
gerais da língua brasileira, seria muito mais próxima da linguagem coloquial
das classes dominantes. Portanto, para seus filhos o aprendizado lingúístico
consistiria mais na sistematização e alargamento de algo que já dominam.
No
caso das crianças oriundas da roça, das favelas, em suma, das crianças vindas
das classes
marginalizadas,
os problemas continuariam existindo. No entanto, eles seriam em número e em
grau muito menores do que os que existem atualmente, uma vez que tentamos
impingir uma norma lusitanizante, alienada da sua realidade concreta.
INDICAÇÕES PARA
LEITURA
Hoje
em dia já existe uma literatura considerável sobre o assunto, inclusive no
âmbito da sociolinguística (ramo da lingúística que estuda a língua no contexto
social). Mas, da perspectiva que abordei o assunto, creio que ainda não existe
nada publicado em forma de livro.
A
polêmica em torno de questões lingúísticas no Brasil sempre existiu. Poderia
mencionar a famosa questão da “língua brasileira”, travada entre José de
Alencar e diversos autores, tanto brasileiros quanto portugueses. A propósito,
pode-se consultar o livro de Gladstone Chaves de Melo, Alencar e a “Língua
Brasileira" (Conselho Federal de Cultura, 1972). Temos também a
polêmica entre Rui Barbosa e seu ex-mestre Ernesto Carneiro Ribeiro sobre a
linguagem do Código Civil (cf. a Réplica, de Rui Barbosa e a Tréplica,
de Carneiro Ribeiro).
De
uma perspectiva mais científica, e mais próxima de nós (se bem que ainda
bastante conservadoras), temos várias publicações de Serafim da Silva Neto,
sobretudo o livro Introdução ao Estudo da Língua Portuguesa no Brasil
(Rio, Presença Edições, 42 ed., 1977). Um pouco mais atualizado é o livro de
Celso Cunha, Língua Portuguesa e Realidade Brasileira (Rio, Tempo
Brasileiro, 1977). Do mesmo autor temos Uma política do Idioma e
Língua, Nação, Alienação que, apesar dos nomes, não acrescentam muita coisa
ao primeiro citado. Aliás, o autor não aplica em sua Gramática do Português
Contemporâneo os princípios que ele próprio defende em seus livros
doutrinários. De "qualquer maneira, esses livros trazem uma grande
quantidade de informação bibliográfica cujo conhecimento é indispensável para
quem trabalha na área.
Para
o chamado projeto NURC (Norma Urbana Culta), pode-se consultar o artigo de
Albino Bem Veiga “Projeto de estudo da norma lingúística culta de algumas das
principais capitais do Brasil” (revista Littera nº 3, 1971) e o de
Ataliba T. Castilho “O estudo da norma culta do português do Brasil”, publicado
na Revista de Cultura Vozes nº 8, 1973.
Do
ponto de vista doutrinário, vale a pena ler o livro de Roberto Lyra Filho O
Que é Direito, da coleção Primeiros Passos, nº 62 e o de Marilena Chauí O
Que É Ideologia, da mesma coleção, nº 13.
Para
uma visão semiótica global da cultura, pode-se consultar o meu Uma
Introdução à Semiótica (Rio, Presença Ed., 1983).
Como
o tempo decorrido entre a redação e a publicação deste livro foi muito grande,
surgiram
várias
obras que tratam de problemas correlatos que, não obstante, não pude levar em
consideração. Eu apenas as enumero a fim de informar o leitor de sua
existência. São: 1. Celso Pedro Luft. Língua e Liberdade; 2. Mário A.
Perini. Para uma Nova Gramática do Português; 3. Evanildo Bechara. Ensino
da Gramática: Opressão ou Liberdade?; 4. Magda Soares. Linguagem. e
Escola — Uma Perspectiva Social; 5. Rodolfo llari. A Linguística e o
Ensino da Língua Portuguesa; 6. Maurizio Gnerre. Linguagem, Escrita e
Poder.
Caro
leitor:
As
opiniões expressas neste livro são as do autor, podem não ser as suas. Caso
você ache que vale a pena escrever um outro livro sobre o mesmo tema, nós
estamos dispostos a estudar sua publicação com o mesmo titulo como “segunda
visão”.
Biografia
Nasci
em Patos de Minas, MG, onde terminei o ginásio. Fiz o antigo clássico em Belo
Horizonte e a graduação em letras vernáculas na USP. Nesta mesma universidade
fiz o mestrado em lingiiística. Em 1978 terminei o doutorado em lingiistica na
universidade de Colônia, Alemanha, com uma tese sobre o guarani paraguaio,
intitulada Das Konsonantensystem des Guarani. Publiquei os livros Ensaios
de Lingiística Aplicada ao Português (como organizador e autor de um dos
ensaios) em 1981 e Linguística e Semiótica Relacional (1982), ambos pela
Thesaurus de Brasília. Finalmente, publiquei o livro Uma Introdução à
Semiótica, pela Presença Edições do Rio, em 1983. Tenho também vários
artigos em revistas especializadas tanto nacionais quanto internacionais.
Já
fui comerciário, bancário, professor de português e de inglês no ensino médio
(S. Paulo), de linguística, língua portuguesa e de semiótica (semiologia) na
Universidade Estadual de Londrina. Atualmente, trabalho com linguística na
graduação e pós-graduação na Universidade de Brasília.
IMG2TXT:
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