sábado, 28 de junho de 2014

Ilinguagem

1. Introdução
Gostaria de começar justificando a própria palavra ilinguagem. Ela é um neologismo que propus pela primeira vez em Couto (a sair: cap. VI) para designar toda uma série de situações e fatos comuns na sociedade brasileira, como veremos logo abaixo. Ela não está registrada em nenhum dos dicionários da língua portuguesa. Tampouco nos estudos de linguagem creio que ela já tenha sido usada. No entanto, não se trata de um barbarismo nem de uma formação ilegítima. Pelo contrário, a palavra foi formada perfeitamente de acordo com as regras da gramática morfológica da língua portuguesa, contrariamente a muitos termos já consagrados na linguística e em outras ciências que são pura e simplesmente transposições de palavras inglesas. É escusado dar exemplos, pois eles existem às carradas em todos os domínios dessas ciências. No caso presente, basta dizer que a palavra "ilinguagem" foi formada pelo modelo de "ilegalidade", "irregularidade", "imaturo", "inato", "inseguro" e outros. Ou seja, trata-se de um derivado formado pelo acréscimo do prefixo de negação "in-" a um adjetivo e, consequentemente, ao substantivo abstrato dele derivado.
Alguém poderia alegar que "ilinguagem" seria diferente morfologicamente de todos os exemplos dados devido ao fato de se tratar da combinação do prefixo "in-" com um substantivo que não é derivado de um adjetivo. Por isso, gostaria de mencionar um outro neologismo que, esse sim, foi formado pela combinação desse prefixo com um substantivo não derivado de adjetivo. Trata-se da palavra "inverdade". A maior parte dos dicionários brasileiros não a consignam. Assim, no Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (Rio de Janeiro / São Paulo: Ed. Civilização Brasileira / Cia. Editora Nacional, 11ª ed. 1969) ela está ausente.  O seu sucessor, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Rio: Ed. Nova Fronteira, 1ª ed, 1975), tampouco a consigna nessa primeira edição. Porém, na segunda edição de 1986, revista e ampliada, já se pode ler o seguinte: "Inverdade. [De in2 + verdade]. s. f. Falta de verdade; mentira".  Como é de praxe na lexicografia, a seguir vem uma abonação do termo: "Dizem, e não é inverdade, que a sua fantasia [de Castro Alves] era opulenta, e riquíssima em tintas violentas a sua paisagem. Constâncio Alves (1921) Figuras. Rio de Janeiro: Edição do Anuário do Brasil".
A afinidade entre o termo ilinguagem, que estou propondo, e inverdade não se restringe a essa vernaculidade morfológica. O segundo entrou na língua pelo menos no início de nosso século para preencher uma lacuna, porque havia fatos sociais que precisavam ser designados. Como diz Sapir (1969), não basta a mera presença de determinado acidente no ambiente, tanto físico quanto social, para que surja uma palavra para designá-lo. É necessário que a comunidade de falantes tenha algum interesse nesse acidente. É preciso que os falantes sintam necessidade de designá-lo. Portanto, o termo inverdade veio para designar fatos e situações já existentes na sociedade brasileira. Os falantes sentiram que apenas 'verdade" e seu oposto "mentira" não eram suficientes para designar as filigranas de significado que precisavam expressar. No caso, eles precisavam expressar algo que não era nem uma verdade pura nem uma mentira pura, mas algo indefinido entre ambas, ambíguo, que pudesse ser manipulado. Com isso já temos uma primeira definição de ilinguagem, isto é, um tipo específico de linguagem em que não há verdades nem mentiras, mas inverdades. Porém, há toda uma coorte de outras situações e fenômenos que entrariam na categoria de ilinguísticos. É o que vamos ver na seção 3, abaixo.
2. Definindo ilinguagem
Não basta afirmar que ilinguagem é a linguagem em que se expressam as inverdades. Trata-se de uma definição ampla demais. Portanto, é necessário que especifiquemos mais o que ela significa. Nesse sentido podemos dizer que ilinguagem é a linguagem em que o que se diz :
(a) não é o que se quer dizer
(b) não é para valer
(c) tem várias interpretações
(d) encobre o que efetivamente se quer dizer
(e) tem uma interpretação oficial e outra paralela.
Gostaria de adiantar que nem tudo que comentei e critiquei em Couto (a sair) entra na categoria da ilinguística. Assim, o uso de nomes próprios estapafúrdios como Acarirton, Acarilton, Acarícia e Acarília, e outros piores ainda, revelaria uma ignorância do código antroponímico luso-brasileiro por parte de pessoas incultas. Tampouco seria ilinguístico o uso do que se poderia chamar de frase interrompida como, por exemplo, "Hoje tá muito....". O interlocutor a decodifica porque conhece o contexto da situação em que ela foi proferida. Todos esses casos, e outros semelhantes, são verdadeiras aberrações para o purista. No entanto, são inocentes, são típicos de um nível de linguagem menos culto, mais distante do português padrão.
O que estou querendo dizer é que a ilinguagem é mais própria da classe média e das elites urbanas, que têm necessidade de toda uma série de subterfúgios para esconder suas patranhas e a pilhagem que perpetram contra o bem público. O homem rural, ao contrário, não tem muita necessidade de dizer inverdades. Como vive lutando diretamente com o meio físico para ganhar a vida, ele é mais direto em tudo. Para ele, o que se diz é exatamente o que se quer dizer; o que se diz é para valer, não tem mais de uma interpretação nem encobre o que se quer dizer. Portanto, não há uma interpretação oficial e uma paralela para o que alguém diz, como ocorre nos meios urbanos. Em suma, para ele, o que alguém diz ou é verdade ou é mentira. Não existe o lusco-fusco da terra de ninguém em que algo possa ser nem verdadeiro nem falso ou, por outro lado, ser tanto verdadeiro quanto falso. Além disso, ele não precisa de muitos eufemismos para palavras que a suscetibilidade urbana considera "fortes" ou "grosseiras" demais, como se ao chamarmos "bunda" de "bumbum" nos referíssemos a outro designatum. Para ele, "bunda" é bunda mesmo, e ponto final.
Não estou com isso querendo negar o fato de que quanto mais palavras e, consequentemente, mais meios expressivos tivermos mais rica será a nossa linguagem. Apenas estou tentando explicitar a diferença entre a ideologia (ou cosmovisão) urbana e a rural. De acordo com a primeira, tudo é relativo, dúbio e manipulável, uma vez que distanciado do mundo real, da natureza. Para a segunda, cada coisa tem seu nome, não há apelidos. Parafraseando o cantor Falcão, para o homem rural, 'homem é homem, menino é menino, macaco é macaco e viado é viado"; todo o resto é conversa fiada.
A diferença consiste em que no processo de designação das coisas, o homem rural parte da própria coisa, ao passo que o urbano parte da palavra ou signo que designa a coisa. Mais tecnicamente, o primeiro parte do referente,  o segundo parte do signo. Segundo Umberto Eco, a linguagem do segundo é mais rica. No entanto, é sempre uma espécie de distorção da realidade. Para ele, linguagem (no caso a do homem urbano) "é tudo que pode ser usado para mentir" (Eco 1979: 7). É, portanto, manipulável, coisa que normalmente não acontece com a linguagem do homem rural ou, pelo menos, acontece em menor grau. Segundo o sociólogo inglês Basil Bernstein, a linguagem urbana seria um "código elaborado" de determinada língua, enquanto que a linguagem rural seria seu "código restrito". O primeiro é descontextualizado, permite falar de coisas in absentia, ao passo que o segundo seria altamente contextualizado, dêitico, portanto, mais próprio para falar de algo in praesentia (Bernstein 1972) .
3. A ilinguagem na cultura brasileira
O conceito de ilinguagem surgiu da observação da vida social brasileira. Seria portanto interessante apresentar alguns fatos do quotidiano da vida do brasileiro que se caracterizam como ilinguísticos. Começo com o que parece o mais simples de todos. Trata-se do fato de os ciclistas trafegarem na contramão. Todos nós sabemos, inclusive os ciclistas, que isso é irregular, vai contra as regras de trânsito. Mas, digamos que as regras de trânsito sejam absurdas e que não seja tão importante assim obedecê-las. Acontece que não é só isso. Trafegar na contra-mão é perigoso; o ciclista que o faz sabe disso. Então, por que o faz? Simplesmente porque ele sabe que os motoristas não o respeitam. Por isso ele trafega na contramão porque assim vê os carros que vêm, portanto pode se proteger pelo menos até certo ponto. Se fosse pela mão normal, poderia ser atropelado por trás. A consequência disso é que algo que é irregular, ilegal, passou a ser a norma, fato introjetado por motoristas e ciclistas e pela sociedade em geral. Trata-se, portanto, de uma manifestação claramente ilinguística uma vez que o que está estabelecido (dito) nas leis de trânsito não é para valer. Na prática todos sabem que o que funciona é outra coisa.
As mudanças constantes que qualquer administrador introduz assim que assume cargo novo, mudanças apenas de fachada, também vêm a calhar neste contexto. Um chefete do Banco Regional de Brasília tirou o "Regional", certamente com o brilhante argumento de que o banco almeja ir além de uma regionalidade. Ele não sabe que um dos maiores bancos do mundo se chama "The Frist National City Bank of New York". Os nomes das ruas são mudados ao sabor dos prefeitozinhos que assumem o novo cargo. Um professor universitário quis certa feita mudar o Hino Nacional, com argumentos os mais idiossincráticos, nenhum deles convincentes. O que se consegue com essas mudanças constantes é uma incerteza nos indivíduos quanto ao que vale, uma vez que diante do antigo e do novo, o que se vê pode ter mais de uma interpretação, pois é ambíguo.
Na ortografia do português brasileiro, de vez em quando algum ilustre filólogo introduz alguma ¢inovação”. Já tivemos reformas ortográficas em 1931, 1934, 1938, 1943 e 1971, além da que acaba de ser aprovada pelo congresso (1995). Em apenas 40 anos tivemos 5 reformas. Segundo o falecido filólogo Serafim da Silva Neto, de quem colhi essas informações, a reforma de 1943 já provocava insatisfação em muita gente, inclusive nele próprio. No caso das reformas ortográficas, tem muita gente que ainda não assimilou a de 1970 e aqui estamos vendo outra ser implantada, tão ou mais caótica que a outra. A alegação dos afoitos reformadores é a de que escrevendo‑se "fato" no Brasil e "facto" em Portugal provoca desentendimento. A consequência disso é que as pessoas mais idosas, cuja vida passou por todas essas reformas, não sabem como é que se escreve, diante de tanta mudança.
O mesmo vale para os planos econômicos. De tanto ver tais planos, as pessoas perderam a noção do valor da moeda. Para se entenderam apegaram-se ao dólar norte-americano. Com isso as pessoas não sabem se o que está aí é para valer ou não, ou se ainda vale ou não, pois tem muitas interpretações, cada indivíduo atribui à moeda o valor que mais lhe convém e assim por diante. A única maneira de haver algum tipo de interação é agarrarmo-nos nessa moeda estrangeira.
A profusão de leis é uma outra instância em que a ilinguagem se manifesta com todo vigor. Onde ninguém obedece às leis, criam‑se leis em demasia na vã esperança de que tudo pode ser regulado por decreto‑lei. E isso parece ser geral entre os latinos. Tanto que, a propósito das leis francesas, já no século passado o jurisconsulto Dalloz dizia:
Quando a ignorância está no seio de sociedade e a desordem nos espíritos, as leis tornam‑se numerosas. Os homens esperam tudo da legislação e, sendo cada lei nova um novo desapontamento, continuam a pedir‑lhes sem cessar o que não pode vir senão deles próprios, da sua educação, do estado dos seus costumes.
    (apud Kropotkin 1987: 68).
Como se vê, a existência de muitas leis não implica necessariamente que "há leis", que há um conjunto de normas que regulam o comportamento coletivo, ou seja, uma linguagem. Excesso provoca perplexidade nas pessoas, pois, como afirma o dito popular, tudo que passa sobra. Leis em demasia faz com que as pessoas nunca saibam o que é que vale. Elas sabem que há um decreto‑lei, mas ele pode ser inconstitucional, além de ter sido regulado por uma portaria, que revoga uma portaria anterior, além do fato de que a referida lei já pode ter sido alterada em sua essência, quando não pura e simplesmente revogada. A própria constituição é um exemplo típico. No afã de regular tudo na Carta Magna, o legislador entra em detalhes que só leis ordinárias poderiam regular. Com isso a constituição fica imensa, difícil de ser entendida, além do fato de um ou outro segmento da sociedade sempre querer alterá‑la. No caso da história constitucional brasileira, só a partir da época em que passei a observar a arena política já vi desfilarem três constituições, além das outras quatro que a partir de 1822 as precederam. Ora, diante de tanta constituição como é que o cidadão vai saber o que é legal e o que é ilegal? Como é que ele pode saber o que os detentores do poder consideram lícito e o que consideram ilícito?
Vê-se, assim, que a profusão de leis está em perfeita sintonia com a tese da ilinguagem. Diante de um estado de coisas como o que Kropotkin transcreveu, o que há é um cipoal, um caos, em que os indivíduos não se entendem. Como não se entendem, as leis não são para valer. O que vale é o levar vantagem, é criar fatos consumados, como as invasões de áreas públicas urbanas pelos pobres e pelos ricos (condomínios). Portanto, todo esse caos ilinguístico visa encobrir o que efetivamente tem vigência, isto é, uma sociedade desigual, em que as elites saqueiam os cofres públicos, de modo que nada sobra para a assistência social.
A ambiguidade na linguagem, ou melhor, na ilinguagem, já foi analisada por mim em Couto (1987) mediante as categorias oficial e paralelo, por sugestão da taxa de câmbio. Temos uma linguagem oficial, expressa nas leis e a que vale, não explicitada em leis. Durante a ditadura militar (e não só nesse período), quando um ministro vinha à televisão e afirmava que estava firme no cargo sabíamos que no dia seguinte ele cairia. Ou seja, o que valia não era o que ele dizia; o que valia era exatamente o contrário do que ele dizia, uma vez que o que ele dizia encobria o que efetivamente queria dizer. A tal ponto que a população já tinha se acostumado a não levar a sério o que o governo dizia, o que valia era o que ela própria praticava, uma vez que ela tinha que se virar como podia independentemente dos poderes constituídos (oficial).
Esse tópico já foi suficientemente discutido no ensaio recém‑mencionado. No presente contexto, eu apenas gostaria de acrescentar que a força do poder paralelo no Brasil já é tão grande que o poder constituído (oficial) não penetra nos morros cariocas, para dar apenas um exemplo. O que vige lá é a lei dos traficantes de droga (paralelo). Trata‑se de um estado dentro do estado brasileiro, com seus poderes executivo, legislativo e judiciário. O executivo é tão poderoso que quem foge da linha é sumariamente executado. Lá as coisas são levadas a sério
Um dos casos mais flagrantes de ilinguagem é o da impontualidade. Quando vemos uma convocação de reunião de condomínio, de uma associação qualquer, de um departamento de universidade e, às vezes, até de assembleias legislativas, tem‑se mais ou menos o seguinte: "A reunião se iniciará às 10 horas com quorum regular, ou às 10:30 com qualquer número de presentes". O fato é que todo mundo já sabe que ela nunca começa às 10 horas. Portanto, todos comparecem (se e quando comparecem) a partir das 10:30. Isso significa que muita gente chega bem depois desse horário, no horário "de tolerância". O que isso significa?
Significa que o primeiro horário não era para valer, era de mentirinha. Como já sabemos que ninguém chega na hora marcada, marcamos uma segunda, na qual a reunião terá lugar e as decisões serão tomadas quer compareça o número mínimo de participantes quer não. Vê‑se, portanto, que o primeiro horário não era para ser levado a sério, era só para inglês ver. Em outros termos, a convocação que contém um segundo horário deixa dito nas entrelinhas o seguinte: "O horário é às 10 horas, mas isso não é para ser levado muito a sério. Se você quiser, pode chegar às 10:30".
A indicação de um segundo horário, que em geral é o que vale, surgiu devido a outro comportamento condenável do brasileiro, a impontualidade. O brasileiro nunca chega na hora marcada para um compromisso. Às vezes isso é até tido como charmoso, como típico de sua informalidade. Acontece justamente o contrário. Isso é índice de irresponsabilidade. Quando se marca uma reunião para as 10 horas com uma alternativa de 10:30, as pessoas que levam tudo que fazem a sério ficam desorientadas. Frequentemente chegam efetivamente às 10 horas. Acontece que os retardatários, aqueles que estão perfeitamente em sintonia com a esbórnia brasileira, chegam só a partir das 10:30. Como consideram que o horário que vale é a segunda alternativa, dão‑se o direito de chegarem atrasados relativamente a essa hora. Com isso, os pontuais ficam parados, perdendo tempo. Afinal, se a ilinguagem afirma que o correto é não levar a primeira alternativa a sério, por que chegaram pontualmente? Azar deles!
Todos deveriam saber que a primeira alternativa era de mentira, que só a segunda era para ser levada a sério. Só que mesmo essa segunda alternativa tem uma tolerância para os retardatários. Portanto, quem chega pontualmente às 10 horas está fora de contexto, não entendeu o espírito da coisa. Mesmo o horário que é para valer, 10:30, não deve ser levado muito a sério, pode‑se atrasar um pouquinho. A conclusão é a de que não se deve interpretar o que foi dito ao pé da letra. Deve‑se levar em conta é o que não foi dito, o que não está no texto do convite para a reunião. Deve-se, portanto, levar em conta não a mensagem linguística, mas a mensagem ilinguística.
Por fim, vejamos o caso dos "vigiadores de carros" que, como disse uma amiga, lotearam todas as cidades brasileiras. Quando tentamos estacionar o carro em qualquer via pública, sempre aparece um deles, ninguém sabe de onde. Ele chega e pergunta: "Qué qui vigia?" ou "Pode vigiá?". Isso é o que ele diz. No entanto, o que na realidade ele quer dizer é o seguinte: "Para estacionar aqui você terá que me dar dinheiro!" O que ele diz, portanto, não é o que quer dizer. Pelo contrário, esconde o que efetivamente quer dizer. Afinal, se ele o dissesse direta e cruamente, na linguagem, poderia haver atritos com o dono do carro. Portanto, como ele está em perfeita sintonia com a inorganização (perdoem mais esse neologismo, que significa "contrário de organização!") brasileira e sabe que o apressado motorista também deve estar, ele se lhe dirige na ilinguagem. Com isso contribuem ambos para perpetuar a esbórnia. E assim poderíamos continuar a enumeração de fatos ilinguísticos ad libitum, pois eles abundam na cultura brasileira. Mas, não só nela.
4. Observações finais
Creio que ficou bastante claro que, no Brasil, em vez de uma linguagem que permita a interação não-conflituosa entre os indivíduos, o que temos é uma ilinguagem. Creio também que os exemplos apresentados no item anterior deixaram patente o fato de que ilinguagem é a linguagem em que o que se diz (a) não é o que se quer dizer,  (b) não é para valer, (c) tem várias interpretações, (d) enconbre o que efetivamente se quer dizer, (e) tem uma interpretação oficial e outra paralela. Aliás, isso é tido como algo de positivo no comportamento do brasileiro: informalidade e cordialidade. No entanto, como tentei mostrar no primeiro capítulo de Couto (a sair), o que isso de fato mostra é uma tremenda irresponsabilidade e falta de respeito para com o outro. O resultado é um mundo de cada um para si e Deus para os mais fortes. A ilinguagem está aí para lhe dar expressão.  
No que diz respeito especificamente à própria palavra “ilinguagem”, tentei mostrar que não era uma criação arbitrária. Pelo contrário, vimos que ela está perfeitamente de acordo com a gramática morfológica do português. No entanto, se mesmo assim alguém continuar achando que ela é um barbarismo, não faz mal. Nesse caso ela apenas refletiria a barbárie que é a vida social brasileira, isto é, refletiria o que deveria ser a linguagem brasileira. Por isso mesmo, ela é uma ilinguagem.
Referências
Bernstein, Basil. 1972. Social class, language and socialization. In: Giglioli, P. P. (org.) Language and social context. Harmondsworth: Penguin Books: 157-178. 
Couto, Hildo Honório do. 1987. O oficial e o paralelo. Correio do livro II(2), p. 5.
_______.O público, o privado e a privada: Ecologia e linguagem. Disponível em:http://ilinguagem.blogspot.com.br/2015/08/o-publico-o-privado-e-privada.html (acesso: 10/01/2018).
Eco, Umberto. 1979. A theory of semiotics. Bloomington: Indiana University Press.
Kropotkin. 1987. Textos escolhidos. Porto Alegre: L&PM.
Sapir, Edward. 1969. Língua e ambiente. In: Linguística como ciência. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica.

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